Depois do Tribunal Judicial, também o Tribunal da Relação do Porto deu razão aos seis funcionários da Parque Ve que interpuseram uma providência cautelar exigindo ser integrados ao serviço da Câmara Municipal de Valongo, depois de ficarem sem emprego devido ao resgate da concessão do estacionamento pago à superfície em Valongo e Ermesinde.
Na decisão, a que o Verdadeiro Olhar teve acesso, os juízes consideram o recurso da autarquia “improcedente” e confirmam a sentença, embora com novos termos, nomeadamente quanto ao carácter temporário da decisão.
O Município de Valongo é assim condenado “a título provisório e até à decisão definitiva da causa de que este procedimento é dependente, a integrar os requerentes [funcionários da Parque Ve] ao seu serviço, mantendo-se as respectivas categorias profissionais, antiguidade, retribuição e demais condições resultantes dos respectivos contratos de trabalho”. A Câmara tem ainda de pagar aos trabalhadores “todas as remunerações que estes deixaram de auferir desde o dia 29 de Agosto de 2019, acrescidas dos devidos juros de mora até efectivo e integral pagamento”.
Os funcionários prometem apresentar-se ao serviço mal a decisão transite em julgado.
Trabalhadores defendiam que despedimento foi ilícito
Foi no início de 2019 que a Câmara de Valongo anunciou a intenção de resgatar a concessão de estacionamento de duração limitada à superfície nas cidades de Ermesinde e de Valongo, proibindo a concessionária, a Parque Ve, de fiscalizar, alegando a constante “caça à multa” praticada.
A 28 de Agosto, já depois de providências cautelares apresentadas em tribunal pela empresa, a autarquia anunciou que ficava concluído o resgate e passava a gerir o estacionamento.
No dia seguinte, seis funcionários que exerciam funções de vigilância e fiscalização ao serviço da Parque Ve e foram dispensados apresentaram-se nas instalações do município para trabalhar. A Câmara não aceitou e começou aí uma luta em tribunal.
Defendendo que houve uma transmissão de entidade patronal da Parque Ve para a Câmara de Valongo, os trabalhadores interpuseram uma providência cautelar contra o município exigindo que o seu despedimento fosse considerado ilícito e fosse suspenso, pedindo que para ser integrados ao serviço da câmara e que fossem mantidas as respectivas categorias profissionais, antiguidade, retribuição e demais condições resultantes dos contratos de trabalho e ainda o pagamento das remunerações desde Agosto, acrescidas de juros de mora.
Em Novembro do ano passado, o Tribunal Judicial do Porto deu razão aos trabalhadores e decretou que deviam ser integrados ao serviço do município.
A Câmara, no entanto, recorreu para o Tribunal da Relação, pedindo efeitos suspensivos da decisão. Apontava, desde logo, que estes funcionários “nem sequer estão equiparados a agentes de autoridade administrativa” para poderem exercer a fiscalização, conforme exigido por Lei e pelo Regulamento Municipal de Trânsito.
Já em Maio de 2020, com os trabalhadores desesperados e sem receber há nove meses, uma decisão sobre parte do recurso levantou o efeito suspensivo e libertou a caução de 30 mil euros depositada pela Câmara para que os trabalhadores pudessem fazer face às despesas familiares, mas nada foi pago.
O município mantinha a posição de que admitir estes funcionários seria uma “grave ilegalidade, por violar a Constituição da República Portuguesa”. “Não podemos integrar ninguém sem concurso público”, defendia José Manuel Ribeiro, presidente da autarquia valonguense. Argumentava ainda que a situação era “incoerente” já que a antiga concessionária mantinha a recusa de entregar à Câmara os recursos materiais afectos à concessão, nomeadamente os parcómetros.
“Nada impede os requerentes de continuarem a exercer a sua actividade de vigiarem o parqueamento à superfície em Valongo e em Ermesinde”
Na decisão do recurso apresentado pela autarquia, a que o Verdadeiro Olhar teve acesso, o Tribunal da Relação do Porto confirma a decisão inicial e dá razão aos trabalhadores que “vivem numa situação angustiante, confrontados com um cenário de desemprego e sem remuneração” desde Agosto do ano passado.
O documento diz que ficou provado que o município “pretende exercer a mesma actividade de gestão dos parques de estacionamento à superfície que havia sido concessionada à Parque Ve e que este resgatou”. “Ou seja, (…) existiu, com o resgate, uma situação de transmissão de unidade económica, que necessariamente implicaria a transferência dos contratos de trabalho”, referem os juízes desembargadores, pondo de parte a ideia defendida pela Câmara de Valongo de que “o negócio da concessão não é transferido, mas extinto por motivos de interesse público”.
Os funcionários, diz o Tribunal, “apenas exerciam a actividade de ‘fiscalização’ dos parques de estacionamento à superfície, tendo por objectivo apenas a emissão do ‘aviso de pagamento’, cobrando apenas a taxa devida pela ocupação de lugar sem o devido pagamento, que corresponde ao valor de ocupação máximo diário e está, também, previsto no Regulamento Municipal” pelo que a sua actividade não era “ilegal” e pode continuar a ser exercida dentro da estrutura laboral da Câmara, mesmo não estando equiparados a agentes da autoridade administrativa, como argumentava o município.
“No caso em apreço a questão central na presente providência cautelar é saber se existiu uma transmissão da unidade económica e se o município de Valongo impediu os requerentes de continuarem a prosseguir a sua actividade profissional. E tal matéria resultou provada. Nada impede os requerentes de continuarem a exercer a sua actividade de vigiarem o parqueamento à superfície em Valongo e em Ermesinde, de receberem o preço por esse parqueamento, de zelarem pelo bom funcionamento dos parquímetros. O facto de não poderem, como já não podiam até à data da reversão, lavrarem autos de contra-ordenação, não pode ser impeditivo de transferência dos seus contratos de trabalho, até porque nada permite concluir que eles não possam vir, já ao serviço da requerida [Câmara], adquirir a capacidade legal para o poderem passar a fazer”, descreve o Tribunal.
Na defesa, a autarquia alegava também que “a Parque VE, entidade patronal dos requerentes, não entregou os bens da concessão, designadamente os parquímetros e os equipamentos necessários à fiscalização do estacionamento”, mas os juízes afirmam que isso “é absolutamente irrelevante para a decisão da presente providência cautelar”.
Decisão é provisória até estar decidida acção principal com a Parque Ve
Outro argumento da Câmara passava pelo facto de o trabalho em funções públicas só pode ser prestado mediante vínculo de emprego público ou contrato de prestação de serviços, pelo que os trabalhadores em causa “nunca poderiam ter os seus contratos de trabalho como suporte jurídico para estabelecer um vínculo jurídico de trabalho” com o município.
Só que a decisão sustenta que a unidade económica deve “transmitir-se, independentemente de este ser uma pessoa colectiva de direito público, no uso de prerrogativas de direito público”. “Estando em causa o direito dos trabalhadores em situação de transferência de empresa, matéria em que Portugal transferiu a sua competência para a União Europeia, os trabalhadores não podem ser privados da protecção que lhe confere o direito da União em vigor nesse domínio, sendo tratados de uma forma diferente da dada a uma empresa particular, pelo facto de se tratar de um município”, refere o Tribunal.
Segundo o documento, que realça que esta é uma decisão provisória, dependente do resultado da acção principal com a Parque Ve, os seis trabalhadores devem ser integrados na Câmara de Valongo, mantendo-se as respectivas categorias profissionais, antiguidade, retribuição e demais condições resultantes dos respectivos contratos de trabalho, devendo a autarquia pagar todas as remunerações que estes deixaram de auferir desde o dia 29 de Agosto de 2019, acrescidas dos devidos juros de mora.