Acompanhadas de bacia, sabão, detergente, escova e, claro, roupa, são muitas as mulheres que, diariamente, recorrem aos tanques públicos de Paços de Ferreira e Modelos. Uma forma de poupar algum dinheiro, dizem, mas também pelo gosto de lavar a roupa à mão, algo que muitas fazem desde crianças.
Para manter esta tradição e evitar o abandono destes lavadouros públicos, a Junta de Freguesia de Paços de Ferreira está a investir cerca de 20 mil euros na recuperação destes equipamentos. Ao todo são nove os tanques que estão a sofrer intervenção. Quatro delas já foram concluídas.
“A roupa fica melhor lavada, não há nada como lavar a roupa à mão”
De manhã bem cedo, antes do almoço, à tarde ou até ao final do dia. Para ir ao tanque lavar parece não haver hora. Cada uma destas seis mulheres aproveita um bocadinho do seu dia para tratar deste afazer doméstico. É trabalho, é certo. Mas é sobretudo um gosto e uma escolha. Primeiro porque a roupa fica melhor lavada, garantem; depois porque lavar à mão é, para muitas, um hábito de criança, aprendido com as mães, que pretendem manter. E não, não é por falta de máquina de lavar em casa, a maioria até às tem, mas prefere dar-lhe descanso.
Quase no centro da cidade, abaixo do nível dos olhos de toda a gente, está um tanque à beira rio. O “tanque da GNR”, mesmo ali perto do quartel, é frequentado por dezenas de pessoas. Emília Coelho, de 58 anos, é uma delas. Mora por ali e lavar roupa à mão é algo de que gosta e a que foi habituada desde pequena. “Tenho máquina de lavar e de secar, mas podendo venho sempre aqui. A roupa fica melhor lavada, não há nada como lavar a roupa à mão”, assume. A poupança na luz e na água é outro dos motivos que a traz até ao lavadouro público.
E já está a passar a tradição. “Tenho uma filha de 37 anos que também adora lavar no tanque”, conta Emília Coelho, que mesmo no Inverno procura aquele espaço. “Se tivesse carro estava aqui todos os dias a lavar”, garante.
Mas, apesar de o tanque continuar a ser um ponto de encontro, que permite rever algumas pessoas, já não existe o espírito de antigamente, acredita a pacense.
Também Maria José, de 51 anos, é frequentadora deste tanque. Dedica-se a prestar serviços domésticos e a fazer limpezas, por isso, pelo menos uma vez por mês, recorre ao lavadouro público para lavar tapetes e outras peças maiores.
Desta vez, encontramo-la a lavar as tendas de campismo que alguns jovens pacenses levaram a um festival de música nacional. “O tanque tem muito movimento”, diz. “E é um ponto de encontro. Falamos disto e daquilo…”, conta. O hábito de lavar à mão também faz parte das suas raízes. Foia ainda em criança aprendeu a lavar no tanque lá de casa.
Agrada-lhe a ideia de ver o tanque com cara bonita. “Era bom que recuperassem as pedras, mas a água está sempre limpa, não tenho do que me queixar”, defende Maria José.
Rosa Martins: A guardiã do tanque
Ainda em Paços de Ferreira, ao fundo de uma rua onde não passam carros e onde o tempo parece até ter parado, mora Rosa Martins. Esta mulher, de 64 anos, é testemunha do vaivém constante de gente com roupa, tapetes, carpetes e edredões debaixo do braço. Muitas vezes, cedeu mesmo as grades de sua casa para permitir secar roupa.
É também utilizadora frequente, quase diária, do tanque que se encontra no final da travessa Engenheiro Edgar de Oliveira. Normalmente vem cedo, antes de chegarem os netos de quem toma conta. Mas durante o dia vê passar muita gente. “Às vezes até têm que estar à espera para lavar”, diz.
Tem máquina em casa, mas prefere lavar à mão, “enquanto puder”. E também é uma forma de poupar no orçamento familiar, que é curto, confirma.
Mas não é só à passagem de quem vem lavar que Rosa Martins assiste. Há namorados que se refugiam naquele recanto. Outros jovens vêm para “fazer asneiras”, conta, justificando as palavras escritas com tinta nas paredes do tanque com promessas de amor e nomes de bandas.
Esta guardiã, que vive paredes meias com este tanque há cerca de 15 anos, gosta do convívio que este gera. “Conheço toda a gente que vem cá e damo-nos todos bem”, afirma.
Esta moda de lavar à mão não a tem de agora. Era a mais velha de 12 irmãos e lembra-se bem de ir de bacia à cabeça lavar a roupa da família. “E antes de haver este tanque já vinha para aqui às cinco da manhã lavar numa bica antes de ir trabalhar”, recorda.
Até há algum tempo atrás era Rosa Martins que lavava o tanque. Agora são Maria José e uma amiga que assumem esse papel. Também esta pacense opta por lavar toda a roupa à mão no tanque. “Prefiro assim. Desde jovem que vinha com a minha mãe a este tanque. Está sempre cheio de gente”, garante. Vem muitas vezes durante a semana e prefere concentrar-se na tarefa do que conversar. “O tanque não tem hora”, resume.
“Não tem nada a ver. Já era um tanque bom, mas agora está muito mais bonito”
Desde que veio morar para Modelos, há 11 anos, que Ana Paula Vilela recorre ao Lavadouro da Rua do Alto. Este foi um dos espaços que já sofreu obras de remodelação nesta intervenção que está a ser levada a cabo pela Junta de Freguesia.
“Não tem nada a ver. Já era um tanque bom e onde se lavava bem, mas agora está muito mais bonito”, garante a mulher de 42 anos. Por isso, Ana Paula recorre a este espaço frequentemente. Porque tem tempo, aproveita para poupar e, além disso, gosta de lavar à mão, confessa. “Um tanque dá sempre jeito e estando limpinho ainda melhor. “Acho que a Junta fez muito bem em recuperar. Há muita gente de fora que vem cá lavar”, explica.
Quem conhece este tanque desde sempre é Maria José Ferreira Neto que veio para a Rua dos Pisões quando ainda tinha só três anos. “Ainda nem havia aqui o tanque. Passava um rego por aqui abaixo e havia uma presa para as pessoas regarem”, recorda. Nessa altura, ia-se lavar a casa de lavradores.
Aos 74 anos, Maria Neto mostra com orgulho a data de construção do tanque, gravada no cimento, que foi ela que escreveu. Máquina de lavar não tem nem quer. “Graças a Deus ainda posso lavar”, sustenta. Também ali é o seu fontanário onde vem buscar água fresca para beber.
As obras tornaram o tanque mais bonito de aparência, concorda, mas para lavar é igual, diz. “Mas isto tem outra vista aqui com o brasão pintado”, acrescenta.
Enquanto puder, vai continuar a frequentar este tanque. “O que peço é que caia aqui água”, apela.
Junta de Freguesia investe 20 mil euros na recuperação
Para manter esta tradição e recuperar este património, a Junta de Freguesia de Paços de Ferreira está a investir cerca de 20 mil euros nos nove tanques públicos de Paços de Ferreira e Modelos. O projecto começou em 2014 e quatro já foram recuperados, adianta Alexandre Costa.
Segundo o presidente da Junta de Freguesia de Paços de Ferreira, muitos estavam em estado de abandono e extremamente degradados, mas ainda assim continuavam a ser procurados pela população. “Nota-se que estão a ser utilizados porque, sempre que surge um pequeno problema, vem logo alguém reclamar”, brinca o autarca.
Os lavadouros públicos já intervencionados ganham nova cara. Passam a ter novas canalizações, paredes pintadas, acabamentos em azulejos, mármore e granito, sendo que são também resolvidas fugas de águas, entre outros. “Temos procurado manter a traça e as divisões existentes e fazer apenas algumas modernizações”, explica o presidente da junta. Além disso, cada um dos espaços está a ser dotado de um brasão da freguesia (antes da união, ou Paços de Ferreira ou Modelos), para manter a identidade local.
O autarca espera concluir este projecto antes do final do mandato.