Eram cerca das 17h00, quando começaram a chegar à Praça Cavaleiro Ferreira, em Bragança, o Diogo Ramos, o Eduardo Rodrigues e o Martim Vara, os três jovens que fazem parte da academia de formação de ciclismo Paredes/Fortunna. Acompanhados do treinador Ricardo Pinto, estes atletas constituem o tentáculo da equipa de cadetes que, diariamente, vive e treina em terras transmontanas. Todos os meses, estes ciclistas fazem por viajar até Paredes, para se juntarem ao ‘pelotão’, com o objectivo de alinharem estratégias e perceberem como estão do ponto de vista físico, de preparação e também competitivo.
Pelo menos assim o refere Ricardo Pinto que, e “porque não há esta modalidade em Bragança”, cidade de onde também é natural, não deixa de sublinhar a “oportunidade que a Paredes Fortunna dá, ao permitir que estes jovens façam parte desta formação.
Ricardo Pinto tem 36 anos e o que o liga ao ciclismo é uma “paixão” que vem desde miúdo, como contou ao Verdadeiro Olhar. Filho do ciclista Pedro Pinto, que integrou as camadas jovens da equipa local da ‘Escola de Ciclismo São João de Brito’, aprendeu a viver e a conviver, desde pequeno, com as bicicletas. Mas, na época, era complicado subsistir com o ciclismo e o pai do treinador teve que optar por outra carreira profissional, mas conseguiu deixar no filho “o bichinho” pela modalidade, confessou.
“É um gosto poder acompanhar estes atletas e permitir-lhes concretizar um sonho. Quem sabe se algum destes meninos não vai brilhar” no mundo do ciclismo
Mais tarde, quando foi desafiado pelo antigo ciclista brigantino Paulo Vilela a tirar o curso de treinador, em Lisboa, não hesitou. A trabalhar no Parque de Ciência e Tecnologia, o Brigantia-EcoPark, de Bragança, Ricardo Pinto não resistiu em aceitar o repto de preparar estes atletas, de vários escalões. “É um gosto poder acompanhá-los e permitir-lhes concretizar um sonho. É bom para os miúdos e para a academia”. E, no final, quem sabe “se algum destes meninos não vai conseguir brilhar” no mundo do ciclismo.
É evidente que o trabalho destes três jovens não é fácil, tendo em conta que estão distantes da sede da Paredes/Fortunna. Mas, feitas as contas, “não importa se a academia está em Bragança ou em Paredes. Se houver vontade e amor à modalidade, “a distância acaba por não ser assim tão grande”, frisou.
De qualquer forma, Ricardo Pinto aproveita para enaltecer a “vontade dos pais que têm que ter espírito de sacrifício”, porque, e “além de ser uma modalidade que não é barata, é preciso um grande empenho, somado a um grande esforço para levar os miúdos aos estágios e às provas”.
Mas neste contexto, há que referir que, treinar em Bragança ou em Paredes não é a mesma coisa. Pelo menos é o que diz Martim Vara, 15 anos, e um dos adolescentes que faz parte deste trio. Praticar este desporto de pedal nas duas cidades é bem diferentes, porque “são pisos muito diferentes. Aqui andamos mais em montanha e lá os percursos são mais planos”.
Também o clima em trás-os-montes é mais adverso. Para além das temperaturas muito baixas, há alturas em que neva. Mas isso não é obstáculo, porque estes miúdos não pensam nisso. Estão no ciclismo porque assim o desejam e “com garra e determinação, tudo se consegue. E se sofremos é porque estamos a fazer bem”, frisou o jovem corredor que é aluno do 10º ano, na escola secundária Emídio Garcia, em Bragança.
O principal objectivo dos dirigentes da Paredes/Fortunna é que os miúdos aprendam a ser bons atletas, mas sobretudo, grandes seres humanos
Apesar dos cerca de 180 quilómetros que separam estes dois municípios, Ricardo Pinto não deixa de destacar os estágios com a equipa, onde estes atletas “estão longe dos pais e aprendem a ser autónomos, percebem como é a vida” e, para além disso, “criam uma relação próxima com o restante grupo”. Também lhes são transmitidos ensinamentos nas áreas de “mecânica, massagens, nutrição”, entre outras. Mas o grande objectivo dos dirigentes da Paredes/Fortunna é que todos aprendam a ser, sobretudo, “grandes seres humanos”.
Quando começou esta aventura de capacitação destes miúdos, Ricardo Pinto assume que teve algum receio. “Achei que seria complicado chegarem a um grupo (em Paredes) que já estava formado e onde todos se conheciam, porque são vizinhos ou estudam na mesma escola”. Mas, a verdade, “é que nestas idades, existe uma facilidade enorme em se darem a conhecer”, e “têm sido muito bem recebidos”. Por outro lado, “a distância até acaba por ser benéfica, porque provoca saudades e estão sempre com muita vontade de se juntarem outra vez”.
Este ano, a equipa já competiu em Cantanhede e Paços de Ferreira, sendo que esta última prova decorreu no passado fim-de-semana e foi a primeira da Taça de Portugal – Zona A, IV Grande Prémio Capital do Móvel. A Paredes/Fortunna subiu ao pódio, com o atleta Guilherme Ribeiro a sagrar-se vencedor do campeonato da Associação de Ciclismo do Porto.
Provas à parte, a Paredes/Fortunna tem três corredores em Bragança, mas, Ricardo Pinto espera aumentar este número. A academia “está sempre de portas abertas para receber quem gosta da modalidade”, referiu. Assim, todas as crianças e jovens podem experimentar o ciclismo, basta entrarem em contacto com a equipa, sendo certo que, nesta fase, “não é nada profissional”. Se quiserem integrar esta formação, terão quer ter “vontade, motivação”, mas, acima de tudo, têm que “estudar e ter boas notas, porque isso é uma prioridade”, alertou o dirigente.
E à semelhança de outras modalidades, não é fácil captar jovens para a prática desportiva, “face ao entretenimento que existe dentro de casa”. Ricardo Pinto sabe do que fala, mas não deixa de sublinhar a importância do desporto no dia-a-dia das crianças: “torna-as mais activas, retira-as do isolamento dentro de quatro paredes e permite-lhes ter uma vida mais saudável, não só agora, mas também no futuro”.
Por isso, nesta fase, o objectivo dos responsáveis da academia, não passa por grandes feitos competitivos, porque eles já vão muito nervosos e ansiosos para as provas, mas por lhes “proporcionar uma boa experiência e que passem a linha da meta”.
E é com esta paixão e estas orientações que, todos os dias, estes jovens, que vivem na pacata cidade raiana, capital da sub-região das Terras de Trás-os-Montes, chegam a casa. Não se agarraram às consolas ou à televisão. Pousam as mochilas, pegam na bicicleta e fazem-se à estrada, de forma a cumprirem um plano de treino semanal, específico, que o treinador dá a cada um deles.
Diogo Ramos é um desse atletas. Com 15 anos e frequentar o 10º ano, na escola secundária Emídio Garcia, este jovem com 1,73 metros, confessou que o amor por esta modalidade surgiu de forma natural e, desde que se lembra, sempre gostou de andar de bicicleta e de ciclismo.
Ao Verdadeiro Olhar recordou uma prova que “em tempos” participou e que decorreu em Bragança. E foi a partir desse momento que, a paixão por este desporto o levou a encará-lo de “uma forma mais séria e mais apaixonada”. Só “desejava poder pertencer a uma equipa”, e a Paredes/Fortunna permitiu-lhe concretizar esse anseio.
“Tenho sentido um grande apoio dos colegas de equipa e dos dirigentes da academia”
Por isso, o facto de estar integrado nesta formação, deixa Diogo “muito feliz” e, desde que começou tem notado “uma grande evolução”, não só como atleta, mas também como pessoa”. Para além disso, este jovem brigantino destaca “a grande experiência” que tem vivido, não só em Bragança a treinar com os colegas, mas quando se junta à equipa e participa “nas provas”. Sente um “grande apoio de todos e também dos dirigentes” da academia. E se entra nas provas com algum nervosismo, quando rola na estrada, esse receio dissipa-se e só pensa em “superar-se” e chegar à meta.
A regra é que não negligencie os estudos, mas revelou que “tem tido boas notas”, o que lhe permite ambicionar fazer-se à estrada e sonhar, um dia, ser ciclista profissional. Se não for possível, por qualquer contingência, Diogo Ramos tem um ‘plano B’, que passa por concluir o 12º ano e envergar pela carreira militar. E se isso acontecer, será certo que do ciclismo já leva algumas ferramentas que lhe vão permitir derrubar algumas muralhas de uma carreira que abraça a segurança interno do nosso país.
Também Eduardo Rodrigues, que tem 14 anos e frequenta a Miguel Torga, começou a gostar de andar de bicicleta desde pequeno. Aos poucos desenvolveu a possibilidade de “poder entrar numa equipa, apender e competir”, contou ao Verdadeiro Olhar.
“Elevar o nível e entrar para a competição era um sonho que me foi permitido concretizar”.
Quando surgiu esta oportunidade de abraçar a academia de Paredes, nem duvidou, porque “elevar o nível e entrar para a competição era um sonho, que agora me foi permitido concretizar”.
Agora, integrado nesta colectividade vai ver “como corre”, mas, paralelamente, já tem gizado um plano que passa pela formação académica. Gostava de tirar um curso superior, na área da engenharia informática, mas, e “se tiver oportunidade de continuar na modalidade como profissional”, garante que vai fazê-lo, “com toda a certeza”.
Instado sobre se é complicado chegar a casa, depois de um intenso dia de escola e pegar na bicicleta, Eduardo Rodrigues, que tem 1,68 metros, responde de imediato que não. “Em cima da bicicleta descontraio”, revelou, acrescentando que encara esta prática como uma “diversão” que, aliada a uma grande vontade, “não cansa”.
Também este cadete da Paredes/Fortunna não esquece os estudos que estão em primeiro plano, porque fazem parte de uma condição para poder continuar a lutar por este objectivo de correr cada vez ‘mais alto’.
Ao contrário de Diogo e Eduardo, o amor ao ciclismo surgiu para Martim Vara em casa. Talvez tudo tenha começado no meio dos montes, durante os passeios que sempre deu com o pai, que já foi ciclista, mas que nunca conseguiu arrumar definitivamente a bicicleta.
“É preciso gostar, amar a bicicleta, saber sofrer em cima da bicicleta e perceber toda a adrenalina que nos proporciona” esta modalidade
Este cadete faz parte de um grupo de atletas que descartou o futebol ou outras modalidades em detrimento de um desporto que “proporciona o que nenhum outro consegue, supera todos os outros”. Mas o que é necessário para o praticar? O jovem brigantino responde: “é preciso gostar, amar a bicicleta, saber sofrer em cima da bicicleta e perceber toda a adrenalina que nos proporciona” um desporto, onde é o corpo que imprime velocidade às duas rodas.
Em relação ao futuro, confessa que “gostava de continuar a trabalhar” nesta modalidade”, agradecendo a “oportunidade” que os pais, assim como a Paredes/Fortunna lhe estão a dar. Somado a isto, estão as suas “capacidades”, que mesmo que não estejam totalmente exploradas, acredita que vai conseguir “fazer mais e melhor, com muito trabalho e dedicação”.
Está nesta academia “para trabalhar” e nada o demove de treinar todos os dias e de cumprir esta sua missão que passa por melhorar as suas aptidões, superar-se e “conseguir os melhores resultados” com a camisola da Paredes/Fortuna vestida.
Apesar de todo este empenho na estrada, é certo que Martim Vara também não esquece os estudos, tanto mais que planeia entrar na academia militar. E se não conseguir um futuro profissional a rolar na estrada, será certo que este desporto fará sempre parte da sua vida. E se assim for, o objectivo dos dirigentes desta academia já foi conseguido.