O levantamento do mastro, ritual ancestral pré-cristão que se realiza na freguesia de Fonte Arcada, em Penafiel, cumpriu-se mais uma vez. Trata-se de uma tradição que envolve a comunidade local e mobiliza, inclusive, emigrantes da freguesia que estão radicados em vários países da Europa e que tiram férias para, neste dia, participarem nesta prática.
O levantamento do mastro é um ritual que remete para a masculinidade que consiste em cortar um eucalipto, com aproximadamente 30 metros de comprimento, e que é depois carregado por mais de 40 homens, num percurso de aproximadamente 5 quilómetros, é colocado no Monte de S. Domingos, o ponto mais alto da freguesia, e aí permanece durante 15 dias.
Segundo Domingos Coelho, residente na freguesia de Fonte Arcada e seguidor fervoroso desta prática, a tradição do levantamento do mastro perde-se nos tempos e sempre foi vivida com grande entusiasmo por homens, crianças e mulheres na freguesia.
“Há mais de 49 anos que participo nesta tradição, mas já antes era celebrada pelos meus antepassados. Estamos a falar de um conjunto de práticas que têm imensos seguidores. Cada um dá o seu contributo, tem a sua tarefa mais ou menos definida”, disse, recordando que durante anos, também ajudou a carregar o eucalipto e a transportá-lo para o Monte de S. Domingos, tarefa assaz difícil exclusivamente direccionada aos homens da aldeia.
“Hoje, a idade já não me permite colaborar como antes, mas continuo a ajudar porque isto é uma tradição muito antiga que mobiliza praticamente toda a freguesia”, disse, reconhecendo que tem sido a persistência dos mais velhos e a adesão dos mais novos que tem ajudado a dar expressão e continuidade a uma manifestação cultural que é hoje admirada.
O ritual integra um grupo de bombos e vários tractores que se deslocam pela estrada em direcção ao terreno onde o eucalipto, que foi previamente sinalizado, é cortado.
A acompanhar o cortejo seguem vários homens, mulheres e crianças sob o olhar atento dos moradores que dos protões das suas casas acompanham o desfile incentivando os homens que terão a árdua tarefa transportar o eucalipto às costas.
Tradição atrai emigrantes de Espanha e França
“Este ano como não há comissão de festas, foram os jovens que assumiram esse papel”, disse.
Uma vez derrubada a árvore, o eucalipto é transportado pelos homens divididos em vários grupos, usando paus cortados que servem de suporte para carregar eucalipto às costas.
Alfredo Sales reforçou, também, que o “Levantamento do Mastro” mobiliza toda a comunidade local, as empresas da freguesia que, no dia de hoje, dão folga aos seus funcionários e há até emigrantes da freguesia, radicados no estrangeiro, que aproveitam, esta data festiva, para se deslocar à terra.
“Há emigrantes que estão em Espanha e França e tiram férias, por esta altura, para carregar o eucalipto às costas e participar numa tradição ímpar”, recordou.
“O livro mais recente de Alberto S. Santos, a Arte de Caçar Destinos, aborda precisamente esta temática. Tem a ver com o culto da fecundidade e da fertilidade, mas 90% da comunidade vive este momento como uma tradição que se mantém”, expressou.
O autarca defendeu, também, que faz parte da consciência colectiva da freguesia e tem contribuído para alavancar culturalmente a freguesia e unir a comunidade.
O escritor Aberto S. Santos que lançou recentemente o livro “A Arte de Caçar Destinos”, obra que aborda este ritual, num dos seus contos, presente em Fonte Arcada, referiu que subsiste, nesta freguesia, uma prática mágico religiosa que tem uma referência ancestral que se confunde no fundo dos tempos.
“Uma prática pré-cristã, pré-romana que se foi preservando. Hoje em dia é o único sítio onde ainda existe todo o ritual de abate da árvore mais alta da freguesia, o seu transporte e da sua colocação num ponto alto”, asseverou.
O ex-presidente da Câmara de Penafiel manifestou que todo este ritual tem um potencial simbólico e está associado a um culto da fertilidade dos campos e à virilidade dos homens da aldeia.
“O ato de afagar o mastro e de o decorar antes de ser colocado tem esse potencial mágico de ajudar à virilidade dos homens da terra”, anuiu, acrescentando que esta prática está, também, associada ao culto da fertilidade dos campos da terra.
“Os lavradores quando limpavam as ervas daninhas colocavam um mastro em cada campo. No dia de Santiago era colocado o mastro maior que fecundava a terra e se ligava com os outros mastros mais pequenos”, precisou, concordando com a ideia de que este rituais se preservem, funcionando como um factor de coesão da freguesia.