Ao que tudo indica, o vírus, em Portugal, portou-se melhor na primeira fase do confinamento ou, então, os portugueses estão a abusar nesta última fase de abrandamento das medidas restritivas. Dito ao contrário também pode ser verdade. Ou seja, os portugueses, por medo, convicção ou disciplina, meteram-se em casa e de lá não saíram desde que ouviram as primeiras notícias sobre a “perigosidade do bicho”. Agora que o Covid-19 deu um ar de certa mansidão, passamos do oito ao oitenta.
Não soubemos distinguir entre o “estar à vontade” e o “estar à vontadinha”.
Contudo, sabe-se ainda tão pouco sobre o vírus que o que atrás fica dito tanto pode ser verdade como um enorme disparate.
As últimas notícias que dão nota da recusa à entrada de portugueses em muitos países da Europa não se explicam com os resultados da pandemia em Portugal. Se assim fosse ninguém entraria em Espanha, Itália ou até em França nos próximos anos.
Em causa, por ora, parece estar este raciocínio: como nos expusemos menos ao vírus estamos agora mais vulneráveis. Ou, então, os lobbys da economia estão a querer deixar-nos para trás.
Uma coisa parece ser certa: os países que colocaram menos restrições na fase inicial da pandemia estão a registar, agora, maior imunidade.
O raciocínio tem lógica.
Perante uma segunda vaga resistirá melhor quem estiver mais perto da imunidade de grupo. No entanto, os países que escolheram esta via não restritiva tiveram percentagens de letalidade muito superiores.
Dirão os economistas: nesses países a crise económica será ultrapassada com menor dificuldade. Como o vírus tem como população-alvo os mais vulneráveis e sobretudo os mais idosos, acaba por ter menores efeitos negativos na economia, na medida em que os velhos são custo, são despesa pública que desaparece mais quantos mais morrerem.
Resta aos governos escolher entre quanto vale uma vida, até quando a nossa vida serve ao estado ou a partir de que idade podemos morrer por sermos despesa pública.
Arrepiante? É, mas já acontece em muitos países. Porventura, serão os que mais depressa ultrapassarão a crise que ainda agora começou.
E no fim disto tudo ainda havemos de concluir que, afinal, quem salvou muitos portugueses da morte e quem salvou o nosso tão querido como depauperado Sistema Nacional de Saúde (SNS), foi, obviamente, o esforço dos profissionais de saúde e o comportamento disciplinado da maioria dos portugueses.
É por isso que, quaisquer que venham a ser os resultados da pandemia, em Portugal, emerge desde já a necessidade absoluta de maiores investimentos em todas as áreas do SNS. Desde os recursos humanos aos equipamentos, desde os cuidados de saúde primários à vanguarda da investigação.
É também por isso que ninguém percebe a objeção das universidades à abertura da possibilidade de formar mais médicos e, muito menos, entende como o Estado, já neste orçamento extraordinário, mais uma vez, tem quase mil milhões para enterrar nos bancos e nos bolsos dos banqueiros e nem metade investe no SNS.