A Sofia Guedes, que participa na iniciativa desde 2000, conta-me histórias, recentes e antigas, encadeadas como cerejas.
– Há bocado, a Celeste passou por aqui e convidámo-la a entrar no presépio. Sentou-se uns bons minutos. Talvez se sentisse bem, a inventar numa oração para a nossa colecção, um texto lindo que falava das crianças, dos jovens, dos pais e do amor. Contou então que tinha sido prostituta durante 40 anos, mãe de três filhos… chorou, abraçámo-nos e decidiu voltar para jantar connosco, porque se sentia profundamente acolhida.
– A Marta e o João, sem-abrigo, dormem no presépio com os cães e deixam a manjedoura toda suja… Comem a mesma comida dos cães, dormem vestidos com a mesma roupa todos os dias. Trabalham com o «fogo», são malabaristas de chamas de petróleo e deitam fogo pela boca. Têm 24 e 28 anos e vivem assim há anos. Não são felizes, mas não sabem como sair daquilo. A mãe do João sai todos os dias à procura dele pelas ruas de Lisboa, para lhe dar de comer e o vestir. É uma senhora pobre, a lutar pela dignidade da família. Também ela veio jantar connosco – que grande mãe! – e volta, para repousar o olhar na imagem de Maria, que está ali à espera de todos…
– O John tropeçou no presépio. Literalmente. Tropeçou e caiu. Convidámo-lo a entrar, tratámos-lhe das feridas, rezámos com ele, demos-lhe banho e comeu connosco. Há 13 anos que não via a família, a mulher e os dois filhos. Uma instituição de tratamento de toxicodependentes ajudou-o e, depois de três meses, contactámos a família, explicámos a situação e pedimos que o recebessem de volta. Falámos com a Segurança Social inglesa, que tomou conta dele e o encaminhou para continuar o tratamento. Voltou para casa «very happy», muito grato ao «Little Jesus»!
– O Douro! O Douro era um búlgaro, pedinte, casado e pai de 5 filhos. A mulher estava muito doente e eles sem meios para a tratar. Pedia na escadaria da igreja do Mártires, perto de nós. Todos os dias vinha ajudar a limpar, a pintar, guardava-nos… Um dia, explicou que era muçulmano, mas gostava muito de estar no presépio; sonhava ir à sua terra, a Bulgária, deixar lá um filho e visitar os outros. Aliás, ele queria mesmo era ficar lá! No fim de jantar connosco, com outros colegas «pedintes» e amigos que visitam diariamente o presépio, comunicou-se a todos o desejo do Douro. Cada um deitou o que pôde num saco, mesmo os pedintes. No fim, um deles anunciou: «temos dinheiro para o Douro, a mulher e o filho irem para a Bulgária»! Foi um momento de grande emoção e a seguir de saudade, quando fomos despedir-nos deles, ao comboio que partiu de Santa Apolónia.
– Num Natal anterior, o Eber, um adolescente que entrou para partir tudo, acabou a passar a noite de Natal com um grupo de velhinhas que estavam sozinhas, que ele ajudou e serviu. Aprendeu a rezar e pediu para começar a catequese.
– A senhora Amélia entrou desesperada no presépio, a pedir para rezarmos com ela. Não ligámos, porque estávamos atarefados, mas ela insistiu e tivemos de deixar tudo. Nos dias seguintes, voltou. Depois, contou-nos a história daquela aflição: queria suicidar-se… mas, depois daquelas visitas ao presépio, tinha recuperado a alegria!
– O Francisco vem de 2001. Era um sem-abrigo, vivera na rua durante 26 anos. Alcoólico, mas um homem cheio de fé! Nunca mais nos deixou. Hoje já tem o seu quartinho e cuida muito bem de si. Está a tirar um curso de jardinagem e o 9º ano. Aprendemos tanto com ele, pela perseverança, pela humildade, por aquela dignidade que ensina tanto sobre a miséria e como se lida com ela. O Francisco é um professor de humanidade. Hoje é um dos principais voluntários. Sem o presépio, provavelmente ele hoje não viveria, e sem o Francisco talvez hoje não houvesse este presépio.
– A Toninha, o Luís Filipe, a Maria, o João…
– Ó Sofia! Estão a ligar-me, desesperados, do jornal: querem a crónica ime-dia-ta-men-te. Beijinhos!