Em agosto, queremos lá saber das golas inflamáveis que afinal não inflamam, mas também não servem para grande coisa nesta coisa dos incêndios. Aliás, já ninguém percebe como um país tão pequeno pode arder tanto.
Queremos lá saber do padeiro que até é socialista e pode ter amassado o pão com as mãos que o poder lhe colocou aos pés. Assim como assim, a cada escândalo mediático corresponde sempre uma sondagem onde o PS sobe e o PSD desce.
Em agosto, queremos lá saber de nós que, como qualquer proletário, encontramos o mês por que aspiramos o ano inteiro e nos contentamos com o trabalho que temos e uns arrotos à beira mar, de barriga cheia do frango inteiro que comemos. Nem que, no fim, nos sobrem mais onze meses para voltarmos a desejar um agosto melhor do que este. E nem sempre percebemos que os dias de descanso que nos deram foram oferecidos como benesse por quem sabe que, como qualquer máquina, produzimos mais se não estivermos consecutivamente a laborar.
Em agosto, queremos lá saber da mercearia que nos ocupa todos os dias, trabalhando a semana inteira para ao domingo podermos ir ao supermercado.
Em agosto fazemos da nossa prosa a poesia do poeta que nunca fomos, mas que, como por agosto, sempre aspiramos:
Deslizo no tempo
Vagueio em passos incertos
busco rumos
O silêncio traça marcas e inquieta o sulco do passado
Sacudo o tédio
No espelho refletem memórias e recordações da história já contada
Selo segredos de alma
O tempo arredonda
É hoje o dia de antes
Amanhã, já tarde, reinvento a luz na forma de dizer
Nasce pálido o sol de verão
Caem folhas com o vento e cumprem-se os ciclos do tempo na metamorfose do eu
Planto afetos interrompidos
E penso
É preciso estar ali ou aqui para que a vida aconteça.
E setembro lá virá sendo como era dantes e nós sem sabermos se seremos como dantes éramos.
E assim caminhamos ao som desta balada do desespero até que agosto – ah agosto! – volte de novo, apesar de ser outra vez como sempre o conhecemos.