“Moro à face da estrada e tenho assistido a constantes acidentes. Viver ao lado da EN106 é um constante sobressalto”. A frase é de Laurentino Rocha, de Cabeça Santa, um dos muitos populares que, esta quarta-feira, saiu à rua para apelar à construção do IC35, via alternativa que vai ligar Penafiel a Entre-os-Rios e que iria reduzir o volume de trânsito nesta estrada nacional, assim como os acidentes e os atropelamentos, acreditam.
O protesto ficou marcado pela colocação de centenas de cruzes brancas na berma da estrada, a lembrar as vítimas. Nos últimos 12 anos, adianta o presidente da Câmara de Penafiel, Antonino de Sousa, que se associou à manifestação popular de descontentamento, houve 500 acidentes que resultaram em 700 vítimas, 11 delas mortais. “Outras faleceram no hospital e outras ficaram com sequelas para a vida”, lamenta o autarca.
A população diz que está farta de aguardar pela construção de uma estrada prometida por sucessivos governos desde 2001, mas que nunca saiu do papel. A autarquia pede a sua construção imediata.
População farta de esperar
“A população está cansada do adiamento da obra, da espera e das promessas sucessivas de vários governos. Esta via tem uma sinistralidade elevada e um volume de cerca de 15 mil carros por dia. A inclusão no Plano Nacional de Investimentos (PNI) 2030 foi a gota de água e uma desconsideração grande pela região do Tâmega e Sousa”, argumenta Antonino de Sousa, salientando o elevado volume de tráfego, sobretudo de pesados. A zona de Cabeça Santa é onde são registados mais acidentes na EN106, diz o autarca.
Este protesto pacifico quis precisamente “chamar a atenção para o problema”. “A população está farta de esperar e de ver acidentes”, diz Joaquim Silva, um dos elementos que organizou o movimento popular. “As cruzes são muitas, mas não são tantas como as pessoas que já foram afectadas por esta estrada”, lamenta. “São brancas porque queremos paz na estrada”, acrescenta ainda.
Por outro lado, devido ao traçado do IC35, cujo primeiro troço esteve previsto para arrancar em 2015, sendo a obra suspensa pelo actual Governo, alguns proprietários de terrenos têm “a vida em suspenso”. “Têm terrenos, mas não podem construir. Alguns são empresários que poderiam fazer investimento”, explica Joaquim Silva.
Mortes, acidentes e problemas de socorro
“Isto devia estar arranjado há tanto tempo, evitava tantas mortes”, acredita Ana Moreira, de Rans, que já viu falecer nesta estrada primeiro o marido e depois o filho, em acidentes de viação. “Esta estrada está uma vergonha, não tem passeios. Eu tenho medo de andar aqui”, garante, acreditando que o IC35 ia resolver o problema. “Há muitos casos de atropelamento. Isto é inadmissível. O meu marido faleceu a caminho do Hospital de Penafiel e disseram-me que se tivesse chegado mais cedo não teria acontecido”, critica Maria do Carmo Silva, de Peroselo. “Fiz questão de estar aqui hoje. Ficou-me esta mágoa e apelo às entidades do Governo para que resolvam fazer o IC35 que ia dar acesso ao hospital mais rapidamente”, salienta a moradora.
Já Laurentino Rocha, viu inúmeros acidentes à sua porta, em Cabeça Santa. “Ainda no final do ano houve mais um atropelamento mortal de uma senhora de 72 anos, mas só ali onde moro, num espaço de 300 metros, já lá aconteceram 14 mortes de que me recordo”, afirma o homem. “Isto é inadmissível. Não é só pela pessoa que falece, mas pelo sofrimento das famílias. Viver ao lado da 106 é um constante sobressalto. Estamos sempre a ouvir derrapagens e à espera do barulho do choque”, dá como exemplo. Laurentino Rocha sustenta que a obra tem que avançar porque “o IC35 ia reduzir substancialmente o trânsito na EN106, que está superlotada”. “Quero sair da minha rua para entrar na EN106 e, às vezes, espero cinco, dez ou até 15 minutos”, critica.
O problema chega também ao socorro que é, muitas vezes, atrasado pelo trânsito desta estrada nacional. “Demoramos em média 30 minutos a chegar ao Hospital, o que pode significar a diferença entre a vida e a morte”, diz Marco Ferreira, comandante dos Bombeiros de Entre-os-Rios. “Temos notado um aumento gradual do número de acidentes e com maior gravidade. Há muitos camiões e tractores e é difícil ceder passagem ao socorro”, frisa ainda.
Prometida em 2001, mas nunca concretizada
O IC35, um troço de estrada de 12 quilómetros, está prometido há cerca de duas décadas. Depois da queda da Ponte Hintze Ribeiro, que liga Entre-os-Rios a Castelo de Paiva, há quase 18 anos, a reivindicação ganhou força, para ser alternativa à EN106, que tem elevadas filas de trânsito e sinistralidade, mas a estrada nunca saiu do papel.
Em 2001, todos os partidos, na Assembleia da República, consideram prioritária a construção do IC35, que devia ser construída em 2008. Em 2009, o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, prometeu que o concurso seria lançado ainda nesse ano, mas o ministro das Obras Públicas, António Mendonça, suspenderia o processo no ano seguinte. Em 2011, foi realizada uma petição pedindo a construção urgente do IC35, que foi entregue na Assembleia da República.
A obra entraria no Plano Estratégico dos Transportes e Infra-estruturas 2014-2020 (PETI3+) e o primeiro-minstro da altura, Pedro Passos Coelho, afirmou que o troço Penafiel-Rans do IC35 iria começar em 2015. Chegou a ser aberto o concurso para a empreitada, mas, em 2016, a obra volta a ser suspensa, com a chegada do novo Governo, liderado por António Costa. Agora, a obra foi incluída no Plano Nacional de Investimentos 2030 (PNI2030), e a Câmara de Penafiel acredita que o objectivo é adiá-la mais 10 anos. Pede a sua construção imediata. A via é considerada essencial para o desenvolvimento económico e social do território.
* Notícia actualizada às 19h30 com mais informação