“Quando nos disseram pela primeira vez que nos iam dar casa ficamos cheios de ilusões, agora estamos à espera”. O desabafo é de Teresa Valente, de 27 anos, que veio, ainda bebé, morar com os pais para o acampamento.
Perante anos de promessas, de avanços e de recuos, as famílias de etnia cigana que ali vivem, sem condições, no centro da cidade de Paredes, ainda desconfiam se é desta que finalmente será concretizado o processo de realojamento. A ideia é comum a quase todos: só acreditam que vão ter uma nova casa quando ela existir.
A construção do primeiro prédio de habitação social para acolher as cerca de 100 pessoas desta comunidade cigana, muitas delas crianças, está prestes a arrancar. A previsão é de que a obra, orçada em 2,5 milhões (mais IVA), com 22 fogos de várias tipologias, esteja concluída em 2024.
No mesmo terreno, no centro da cidade, vão nascer mais dois prédios para habitação a custos controlados, um deles, com 30 habitações, começará a ser construído logo de seguida. Também ali serão fixados serviços municipais, como a Polícia Municipal e a Acção Social, adianta o presidente da Câmara de Paredes, Alexandre Almeida. “Queremos fixar ali jovens que não podem pagar 400 ou 500 euros de renda, mas podem pagar 200”, dá como exemplo. A par disso, vai avançar a construção de mais habitação social no concelho, noutras freguesias, como Vandoma.
O investimento para realojar a comunidade cigana de Paredes, que vive em condições indignas há mais de duas décadas, já era para ter avançado, mas atrasou, reconhece o autarca, porque vai agora ser apoiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência, com condições “mais vantajosas”. A intervenção “vai resolver um grave problema de falta de condições de salubridade e um problema paisagístico”, uma “mancha” numa parte nobre da cidade, realça. Esta comunidade tem sido trabalhada ao longo dos anos, com projectos sociais e culturais, e todas as crianças são integradas na escola. “É uma população que está integrada e fez-se o mais lógico, que é tratar o problema como falta de habitação social”, frisa.
“Queria que não tivessem a vida que nós tivemos e que tivessem outras oportunidades”
Dias de chuva são um problema acrescido no acampamento da comunidade cigana. O acesso faz-se por um caminho enlameado e as barracas, muitas delas feitas de madeiras, chapas e cobertas de plásticos, deixam entrar a água e o frio.
“Se nos arranjassem ao menos o caminho já ajudava. No Inverno é muito difícil, fica tudo cheio de lama e o lixo entra para casa. Também entra chuva no quarto dos meninos. Metemos plásticos, mas depois rasgam”, descreve Teresa Valente. Ela e o marido têm quatro filhos, a mais velha com 11 anos e a mais nova com um ano.
Quando andou na escola, Teresa e o irmão eram maltratados, recorda: “Sofríamos muito. Chamavam-nos ciganos, batiam-nos, alguns não se queriam sentar ao nosso lado, e punham-nos nas mesas atrás”. Com os filhos já não é assim. “Os amigos tratam-me como igual. Nunca me senti discriminada”, garante Josiana, de 11 anos. Mas com os pais continua a haver discriminação, diária. “Por exemplo, fui ao cabeleireiro e, mal me sentei, uma senhora que tinha a mala na cadeira ao lado tirou-a logo com receio que a roubasse. Lidamos com isto todos os dias”, conta Teresa Valente, que frequentou a escola, mas nunca conseguiu trabalho, já que quando diz onde mora é posta de lado.
O grande sonho, assegura, é dar outras condições aos filhos. “Queria que não tivessem a vida que nós tivemos e que tivessem outras oportunidades. Acho que morar num bairro vai ajudar nisso e fazer com que as pessoas tenham menos receios. Só pelo facto de vivermos em barracas as pessoas assustam-se porque associam coisas más aos ciganos”, sustenta. É esse também o sonho da pequena Josiana: “Estamos fartos de viver aqui por causa da lama e queríamos uma casa. Queria ter um quarto só para mim”.
“Vivemos aqui cheios de bicharada, as condições estão à vista”
Manuel Sertório tem 57 anos e há mais de 30 que chegou a Paredes. Foi um dos primeiros a instalar-se naquele local, atrás do edifício da Câmara Municipal. Depois “foi-se juntando mais gente”. As condições foram sempre más. “Vivemos aqui cheios de bicharada, as condições estão à vista. Sempre que chove tem de se meter plásticos e toldos e, ao cabo de algum tempo, entra água na mesma”, afirma. As promessas de habitação foram muitas, de vários executivos. “Já foi falado na Madalena e não fizeram nada. Estamos à espera, mas só acredito quando vir”, garante. “Podiam compor-nos ao menos o caminho. Quando chove os carros nem conseguem passar e os meninos vão para a escola com os sapatos cheios de lama”, desabafa Goreti Esteves.
Sobre a forma como são encarados, Manuel Sertório diz que há desconfiança permanente. “Um cigano ainda não está bem integrado na sociedade, é sempre discriminado. Aqui em Paredes estamos bem integrados e temos o respeito das pessoas, mas quando saímos daqui do centro acabou”, sentencia.
A barraca de Irene Anjos, de 37 anos, começou por ser de chapas, madeira e papelão. Com ajudas, construíram com blocos há dois anos. “Agora está melhorzinho, mas há sempre muita humidade e frio”, não esconde. Mora ali há 19 anos e tem dois filhos. Também ela está cansada das promessas não cumpridas. “Foram tudo ilusões que foram por água abaixo. Tínhamos tantas expectativas, vamos a ver agora”, assume, esperando que uma nova casa dê acesso a um emprego que nunca conseguiu, obrigando-a a viver de apoios estatais e da formação (financiada). “Dizem logo que não, por causa da etnia, ou então ficam de ligar e nunca ligam. Dizer que se mora num acampamento ou num bairro social faz a diferença. Uma casa nova mudava totalmente o nosso aspecto”, acredita, garantindo que continua a haver muita discriminação.
“A palavra cigano está associada a quem é ladrão, causa conflito e não é amigável”
Numa barraca próxima moram Alberto Vilela, de 47 anos, e a família, há mais de 20 anos. Padece do mesmo problema no acesso ao emprego, testemunha. “Não conseguimos emprego. Quando dizemos de onde somos nunca mais ligam. Vivemos quase todos do rendimento de inserção e dos trabalhos de artesanato para ajudar ao orçamento familiar. O dinheiro que recebemos não dá para passar o mês”. “Estamos ansiosos pela casa nova. Vai mudar muita coisa. Se calhar vamo-nos conseguir integrar na sociedade de outra forma”, defende.
“Aqui nestas barracas não há ninguém que cá queira vir. Não é que sejamos maus, mas fazem-nos de maus. Ainda há estigma e preconceito, infelizmente, em Portugal. A palavra cigano está associada a quem é ladrão, causa conflito e não é amigável”, lamenta Alberto. “Isto não é um gueto. As pessoas podem cá vir. Acho que somos bem vistos na cidade de Paredes. Estamos aqui há muitos anos e nunca ouviram dizer que os ciganos roubam ou são chamados ao posto da GNR”, dá como exemplo. Gostava que todos os sítios fossem mais como Macedo de Cavaleiros, onde há mais esforço para integrar os ciganos na sociedade, acredita. “A minha filha trabalha num lar. Há ciganos na junta e na câmara. Não são tão racistas”, argumenta.
Alberto Vilela assume que vivem em situação “precária”. “Não temos água potável, temos que ir buscar, temos para higiene, mas não é bebível. Não temos um sítio limpo à porta, temos tudo cheio de lama, o que não dá condições para manter a casa limpa”, relata.