Das várias revelações que têm surgido, há uma história publicada no início de Abril pelo Expresso que, pelo seu manifesto interesse, permitam-me que a transcreva. Então é assim: “Na madrugada de 26 de novembro de 1983, seis ladrões penetraram no armazém da Brink’s-Mat no aeroporto londrino de Heathrow. Os assaltantes amarraram os seguranças, regaram-nos com gasolina, acenderam um fósforo e ameaçaram-nos que iam largar fogo a menos que eles abrissem o cofre do armazém. Lá dentro, os assaltantes encontraram quase sete mil barras de ouro, diamantes e dinheiro. “Muito obrigado pela vossa ajuda. Tenham um bom Natal”, disse um dos meliantes à saída.
Os media britânicos chamaram ao golpe o “Crime do Século”. Grande parte do saque, incluindo o dinheiro proveniente do ouro que foi derretido e vendido, nunca foi recuperado. O destino do dinheiro tornou-se um mistério que continua a fascinar os estudiosos do submundo inglês.
Agora, documentos encontrados entre os ficheiros da Mossack Fonseca revelam que a empresa e o seu co-fundador Jürgen Mossack podem ter ajudado os autores do assalto a manter os despojos longe da vista das autoridades, ao protegerem uma empresa ligada a Gordon Parry, um negociante de Londres que lavou o dinheiro aos cérebros do assalto ao Brink’s-Mat.
Quinze meses depois do assalto, segundo os registos, a Mossack Fonseca criou no Panamá uma empresa de fachada chamada Feberion Inc. para Gordon Parry. Jürgen Mossack era um dos três diretores “nomeados” da firma, um termo usado nesta indústria para os figurantes que controlam a companhia no papel, mas não têm de facto nenhum poder sobre as suas atividades.
Um memorando interno escrito por Mossack mostra que ele tinha conhecimento em 1986 que a empresa estava aparentemente envolvida na gestão de dinheiro do famoso roubo do Brink’s-Mat em Londres. A própria empresa não tinha sido utilizada ilegalmente, mas podia dar-se o caso de ter investido dinheiro através de contas bancárias e propriedades com origens ilegítimas.
Os registos da Mossack Fonseca de 1987 tornam claro que Parry estava por detrás da Feberion. Em vez de auxiliar as autoridades a terem acesso aos bens da Feberion, a sociedade de advogados deu passos no sentido de evitar que a polícia do Reino Unido tivesse acesso à empresa, de acordo com os documentos encontrados.
Depois de a polícia ter obtido os dois certificados (com as acções ao portador) que controlavam a propriedade da empresa, a Mossack Fonseca arranjou maneira de a Feberion emitir mais 98 novas ações, manobra que parece ter retirado efetivamente o controlo da Feberion das mãos dos investigadores, revelam os documentos.
Só em 1995 — três anos depois de Parry ter sido condenado a dez anos de prisão pelo seu papel no golpe do século — é que a Mossack Fonseca encerrou a sua relação de negócios com a Feberion”.
As ondas de choque deste gigantesco trabalho jornalístico ainda estão longe de ter terminado. Em Portugal, o Expresso tem conduzido este processo e revelado o nome de um conjunto de clientes da Mossak Fonseca. Recentemente, os responsáveis deste semanário noticiaram a existência de uma listagem de jornalistas envolvidos no denominado saco azul do BES. Os nomes, esses continuam em segredo, e segundo a direção deste jornal assim continuarão até ao final da investigação. Pessoalmente não poderia estar mais de acordo. Enlamear na praça pública o nome de alguém, antes mesmo de se atestar a veracidade das informações recolhidas, tem sido prática de muitos jornalistas no nosso país. Assim sendo, aquilo que sinceramente desejo é que o Expresso, bem como os restantes media, no futuro, sejam capazes de aplicar esta boa praxis jornalística, mesmo nos casos em que os envolvidos não sejam colegas de profissão.