O facto é surpreendente em si mesmo: em meados do século XIX, uns índios iletrados, que nunca tinham saído da América, nem conheciam o Atlântico ou a Europa, identificaram-se de tal maneira com a angústia dos irlandeses que se privaram do pouco que ainda tinham para ajudar quem lhes parecia mais necessitado. Assim como os Choctaw não sabiam muito acerca da Irlanda, a maioria dos irlandeses ignorava que existia uma tribo chamada Choctaw. Mas esta ignorância mútua acabou para todo o sempre.
O extermínio massivo dos irlandeses ocorreu entre 1845 e 1849. Nesses quatro anos, cerca de milhão e meio de irlandeses morreu à fome, cerca de dois milhões fugiram para os Estados Unidos e um grande número naufragou no Atlântico. Muitas vezes fala-se de um genocídio cometido pelo Reino Unido, que naquela época dominava inteiramente a ilha. Tecnicamente, não terá havido o propósito de matar. Criaram-se as condições que geraram a fome apenas com o intuito de obter maior lucro; depois, não se remediou a situação e, em quatro anos, um quinto da população morreu. Quando o Governo do Reino Unido obrigou a Irlanda à monocultura da batata, tinha consciência de impedir o seu desenvolvimento económico, mas não esperava que uma praga devastasse completamente essa única cultura e privasse a ilha de alimento. Em face do desastre, Londres manteve as proibições e pensou fazer qualquer coisa, mas acabou por deixar a desgraça seguir o seu curso.
Em contrapartida, do outro lado do Atlântico, fechados na sua «Reserva», os Choctaw amealharam os poucos fundos que tinham e enviaram-nos para o outro lado do Atlântico, para os irlandeses comprarem alimentos. Ainda hoje, as comunidades irlandesas de todo o mundo recordam a generosidade dos Choctaw e, volta e meia, têm oportunidade de lhes agradecer. Em 2018, o Primeiro Ministro irlandês, a propósito de umas bolsas de estudo oferecidas a jovens Choctaw, falava do «vínculo sagrado que une para todo o sempre os nossos dois povos. A Irlanda nunca esqueceu e nunca esquecerá o vosso gesto de simpatia». Em 2017, num parque em Cork, na Irlanda, descerrou-se um memorial formado por nove penas de águia, metálicas, intitulado «Kindred Spirits» (os espíritos da amizade) em honra da generosidade dos Choctaw.
Os acontecimentos mais recentes fizeram reviver de modo expressivo esta estima desinteressada que cresce desde há 173 anos entre as duas margens do Atlântico.
Neste momento, existem cerca de 200 mil índios Choctaw, metade dos quais na zona de Oklahoma. Ainda são muito pobres – cerca de 40% não tem água potável e 10% não têm sequer electricidade –, em geral as condições higiénicas são más e talvez por isso registam uma das taxas mais elevadas de infecção por Covid 19 nos E.U.A. Há poucos dias, quando os irlandeses receberam a notícia de que há milhares de pessoas infectadas na comunidade Choctaw e uma centena de mortos, mobilizaram-se e enviaram-lhes três milhões de dólares.