Como o tempo da Páscoa é de alegria, a primeira leitura da Missa de terça-feira passada só contou a parte boa da história. Barnabé, um cipriota de linhagem sacerdotal, antes de levar o Evangelho por todo o mundo, começou por vender o campo e depositar o dinheiro aos pés dos Apóstolos (Actos 4, 37). A página seguinte não se leu, porque é pouco Pascal: O casal Ananias e Safira vendeu uma propriedade, guardou algum dinheiro e pôs o resto aos pés dos Apóstolos. Pedro interveio imediatamente: «Ananias, como é que Satanás se apossou do teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e retivesses parte do preço do campo? Não é verdade que, conservando-o sem vender, era teu e, mesmo depois de vendido, o dinheiro era teu? Por que motivo puseste em teu coração fazer tal coisa? Não mentiste aos homens mas a Deus». Ao ouvir estas palavras, Ananias caiu fulminado e morreu. Passadas três horas, chegou Safira, Pedro repete a censura e Safira cai morta no chão à frente de todos.
Enfim, batota não dá. Mas uma certa veemência funciona, como exemplificou o Papa na homilia. Um dia, o povo de Israel portou-se tão mal que Nosso Senhor disse a Moisés: «Agora, deixa-me; a minha cólera vai inflamar-se contra eles e destruí-los». Moisés, que sentia a responsabilidade do povo, começa o braço de ferro: «Porquê, Senhor, a vossa cólera se inflamará contra o vosso povo, que fizestes sair do Egipto com tão grande poder e com mão tão poderosa? Não convém que se possa dizer no Egipto: “Foi com má intenção que Ele os fez sair, foi para os matar nas montanhas e suprimi-los da face da Terra!”». Moisés, explicou o Papa, tenta persuadir Deus, com mansidão, mas também com firmeza: «Recordai-Vos de Abraão, de Isaac e de Israel, vossos servos, aos quais juraste por Vós mesmo: “tornarei a vossa descendência tão numerosa como as estrelas do céu e concederei à vossa posteridade esta terra de que falei”».
Moisés vence em toda a linha. Ainda na sua ira, o Senhor promete a Moisés: «Farei de ti uma grande nação». Mas o Papa descreve a reacção de Moisés: «Não, ou com o povo ou nada. Se fizerdes morrer este povo, matais-me também a mim». Deus não resistiu mais.
O Papa recordou outros exemplos tirados da Bíblia: o de Abrão, quando o Senhor lhe diz que destruirá Sodoma. Abrão tinha lá um sobrinho e queria salvá-lo. Começa outro braço de ferro. Abraão a regatear, como uma dona de casa no mercado: «Mas, Senhor, espera um pouco, se houver lá 40 justos… se houver 40 justos, não destruirei». Infelizmente, não havia. «Desculpai-me Senhor, e se houver 30 justos?». «Não destruirei». «E se houver 20, se…». Afinal, só a família do sobrinho era justa e, negociando na oração, Abrão consegue salvá-lo.
O Papa lembrou Ana, a mãe de Samuel que balbuciava em voz baixa a sua oração, insistindo teimosamente, a rezar, a rezar, a rezar. O sacerdote que a via mover os lábios em silêncio pensou que estivesse bêbada. Pelo contrário! Ana vence o braço de ferro e obtém de Deus o que queria. Outra mulher corajosa é a cananeia do Evangelho, que não desarma. Jesus diz-lhe «Não se pode tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cãezinhos». Nem assim desanima: «Também os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa dos seus donos». E consegue que Jesus faça o milagre.
O Papa Francisco sintetizou os exemplos dizendo que «é preciso coragem, aquela “parrêsia”, aquele desassombro de falar cara a cara com Deus. (…) Podemos pensar que é um braço de ferro com Deus (…). A verdadeira oração é com coragem, com muita coragem».
«Como sei que o Senhor me ouve? Temos uma segurança: Jesus. Ele é o grande intercessor. Ele subiu ao Céu, está diante do Pai a interceder por nós. Ele intercede continuamente na oração. Antes da Paixão, tinha dito a Pedro: “Pedro, Pedro, rezarei por ti, para que a tua fé não desfaleça”. Eis a intercessão de Jesus, que reza por nós, neste momento. E quando rezo, tentando convencer Deus, ou negociando, ou balbuciando, ou debatendo com Nosso Senhor, é Ele quem recolhe a minha prece e a apresenta ao Pai».