Foi neste tom grave – com razão, dizemos nós- que a ministra da saúde se defendeu ontem, no Parlamento, dos ataques vindos, da direita à esquerda, quando se discutia o estado da pandemia no país.
É público e notório que cometemos muitos erros desde o início. Os decisores políticos já o admitiram e nós, os cidadãos comuns, não o dizemos, mas sabemos que demos um contributo razoável para a coisa correr mal. As exceções, muitas, confirmaram, como sempre, a regra.
Disseram-nos, no início, em março, que até fazíamos milagres. Depois, em setembro, convenceram-nos de que afinal, isso era coisa de crentes, daqueles que acreditam no Pai Natal e, afinal, esse senhor gordo, de barbas brancas, ainda percebia menos do vírus do que aqueles que ainda fazem de conta que ele existe. Por fim, foram-se as guloseimas da época e os desvarios do fim de ano, e eis-nos confrontados com o diabo do vírus que nos colocou, vergonhosamente, na cauda dos países civilizados, ou nem tanto, e que pior souberam conviver com a pandemia.
Embora metidos neste inferno, não é minimamente aceitável que nos entreguemos à tarefa fácil de encontrar culpados sem sequer sabermos ainda como nos livraremos da tragédia que nos aflige a todo o momento.
É evidente que, a seu tempo, não devemos prescindir da responsabilidade democrática de retirar as conclusões de tamanho fracasso. Que é um fracasso já todos sabemos. Porque assim é ainda havemos de concluir.
As palavras de Marta Temido fazem todo o sentido, mas não podem ser olhadas só na perspetiva de quem é acusada.
Usar a pandemia como arma de ataque político é grave, mas não é menos indecoroso, indigno até, usar a morte e a doença como forma de propaganda política e autopromoção.
Foi o que aconteceu com os deputados e presidentes de câmara, altruístas de trazer por casa e aspirantes a demagogos a tempo inteiro, que logo usaram de todos os meios de que dispõem, alguns usando mesmo o dinheiro dos contribuintes para, nas televisões, nas redes sociais, em todos os lados, exibirem a sua autoproclamada superioridade moral, abdicando, pretensamente, da vacina a que teriam direito, por privilégio.
Nós, que até defendemos que o presidente da república, o primeiro-ministro, o presidente da assembleia da república e os autarcas com responsabilidades diretas na Proteção Civil devem ser incluídos na primeira ou segunda fases dos que devem ser vacinados prioritariamente, não deixamos de sentir um odor sórdido pelo oportunismo deplorável que usaram e continuam a usar para recolher benefícios eleitorais e outros.
Subjaz ainda o nacional-clientelismo da administração pública, preenchida essencialmente pelo centrão partidário, que num sentimento de inconcebível impunidade se atira à imunidade da vacina como nem os cães a ossos.
E o que resulta disto tudo? Lá temos de meter no mesmo saco os deputados Venturas, os presidentes Almeidas e os boys e girls diretores da Segurança Social e afins. Uns porque usaram a vacina como arma de autopromoção. Os outros porque usaram a função como privilégio.
Tem razão, senhora ministra. A morte e a doença nunca devem ser usadas como argumento político, mas o princípio aplica-se a todos. Por falar em todos, nós, ao contrário daqueles de que falamos atrás, não abdicamos da vacina. Quando for a nossa vez e no serviço Nacional de Saúde, de preferência.