O prémio Nobel da literatura de 2023 foi atribuído ao norueguês Jon Fosse, o quarto escritor norueguês a receber o galardão, mas o primeiro a escrever em nynorsk. Os restantes escreveram na língua norueguesa principal, o bokmål, só Fosse, juntamente com uns 10 ou 15% da população norueguesa, fala nynorsk, a segunda língua oficial do país. Para este pequeno grupo, Jon Fosse é um herói, o salvador do nynorsk!
O percurso de vida deste escritor começa no ambiente «quaker» da meninice, atravessa uma longa fase de ateísmo, de instabilidade emocional, de alcoolismo, de proximidade ao comunismo e ao anarquismo, de vida hippie, até descobrir Deus, se converter ao catolicismo, normalizar a vida e se desintoxicar do álcool.
José Riço Direitinho, que foi a Oslo entrevistá-lo para o Público (Ípsilon, 22 de Março de 2024), destacou em título: «a minha escrita tirou-me do ateísmo».
— «A minha escrita tirou-me do ateísmo. Não se consegue explicar o que acontece ao escrever numa visão apenas materialista, é impossível. Como a música de Bach, não se consegue explicar de onde vem, é impossível. Foi como se um espírito se tivesse aberto para mim, a que eu chamo desconhecido (…)».
A obra de Jon Fosse trabalha muito a ideia de «expressar o indizível» e para isso serve-se de paradoxos, para sugerir o mistério de Deus: «brancura negra», «luz interior», «tudo converge para o Um». Kjell Nyhus, especialista na obra de Fosse, explica no «Vart Land» que «Fosse não escreve acerca do mistério, mas escreve de maneira que o leitor percebe que o mundo e a realidade são enigmáticos e vão muito para além do que nós compreendemos e conseguimos dizer por palavras».
A Academia Sueca, que atribui o prémio Nobel da literatura, justificou a escolha numa única linha: «a novidade das suas obras de teatro e de prosa, que dão voz ao indizível».
A propósito da sua conversão, Fosse diz que «quando uma pessoa se converte à Igreja católica considera-se evidentemente cristã, o que quer dizer que Cristo ocupa um papel central na sua forma de entender a vida e o mundo. O que não implica que saiba, mas que decidiu acreditar».
A relação correcta com Deus é confiar nEle, como se ama uma pessoa. A riqueza dessa relação está em descobrir cada vez mais o outro, sem nunca esgotar esse conhecimento. Por isso, Jon Fosse sentiu tanta afinidade com Mestre Eckart, um autor medieval de espiritualidade, que sublinha muito a transcendência de Deus. Se pensarmos no maior bem, na maior justiça, na beleza mais perfeita… Deus está infinitamente acima dessa imagem, Ele não é nenhum dos nossos pensamentos. Quase que O poderíamos definir negativamente, como Aquele que não é nem isto, nem aquilo, nem aqueloutro… Na entrevista a José Riço Direitinho, Fosse comenta:
— «Mas como é que se pode ter uma relação pessoal com o nada? Só entendendo os atributos de Deus. Assim pode-se falar com Ele, ou rezar, sentir a sua proximidade, a distância, que Ele
é uma realidade que não se pode descrever. Uma realidade sem fronteiras, que só se consegue ouvir no silêncio».
Esta última expressão, «ouvir no silêncio», também ilustra as imagens poéticas de Jon Fosse.
Já antes de ele se converter, Bento XVI ofereceu-lhe uma medalha. O Papa Francisco escreveu-lhe, ao ter a notícia do prémio Nobel: «o seu testemunho amável de fé (…) chega agora a uma audiência maior. (…) A sua capacidade de evocar, no nosso mundo às escuras, os dons de Deus Todo-poderoso —a graça, a paz, o amor— enriquece as vidas daqueles que partilham a peregrinação da fé».
Fosse foi traduzido para mais de 50 línguas, incluindo português. Algumas das suas peças teatrais já foram representadas em todo o mundo; até mesmo num confim remoto do Planeta chamado Portugal. E Jon Fosse escreve nynorsk, em vez de bokmål!