A discussão sobre uma autorização prévia de um empréstimo de 11,66 milhões de euros para construir a Casa da Democracia Local – os novos paços do concelho – em Valongo, levantou críticas por parte do PSD e do Bloco de Esquerda. Não sendo contra a obra, ambas as forças políticas afirmaram, na última Assembleia Municipal, que a empreitada devia ser repensada, tendo em conta a pandemia vivida.
“Este projecto pode ser feito a seguir, pode ser repensado no próximo ano depois de termos passado o tufão. Há coisas mais importantes”, apontou Miguel Santos, pelo PSD. “Entendemos que não é o momento para um investimento tão avultado. Há anseios e necessidades mais urgentes na população e não é hora de hipotecar o futuro do município”, referiu Fernando Monteiro, pelo BE. Não se mostrando contra a obra, a CDU absteve-se, mas não deixou também de questionar “a oportunidade de um empreendimento de tal valor”.
A autorização prévia foi aprovada, com os votos da maioria socialista. O presidente da Câmara, José Manuel Ribeiro, defendeu que “tempos de crise são tempos de investimento” público.
Novo edifício para a Câmara não é prioridade em época de pandemia
Esta não é a primeira vez que o PSD questiona o timing da obra. Ainda recentemente, a comissão política do PSD Valongo emitiu um comunicado apelando ao adiamento da mesma.
Além disso, o projecto estimado em nove milhões de euros agora é proposto ir até 11,66 milhões de euros, “encareceu”, disse o social-democrata. E o país atravessa agora uma pandemia, cujas consequências ainda não são possíveis de avaliar, mas que terá impacto a todos os níveis na vida das pessoas. “Era bom reflectir sobre isto tudo e sobre a oportunidade de o município se comprometer com um empréstimo de mais de 11 milhões de euros para este projecto que, na perspectiva do PSD, é perfeitamente derrogável em face da situação emergente”, argumentou. “Este projecto pode ser repensado no próximo ano, depois de termos passado o tufão. O momento é de reflexão e responsabilidade. A construção da nova câmara neste contexto não é prioridade para o município”, defendeu ainda Miguel Santos.
Perspectiva idêntica demonstrou Fernando Monteiro. O eleito do Bloco de Esquerda afirmou que o partido mantém a crença de que é importante para o município ter instalações próprias, com condições para efectuar melhor serviço público e com condições para quem lá trabalha. E se, em Fevereiro, o Bloco já tinha alertado que haveria áreas mais prioritárias, como “a habitação, educação e mobilidade”, agora, Fernando Monteiro deixou claro que “a pandemia veio alterar a forma como vivemos, mas também as opções políticas. “Entendemos que não é o momento para um investimento tão avultado. Há anseios e necessidades mais urgentes na população e não é hora de hipotecar o futuro do município”, disse, justificando o voto contra na proposta.
Pela CDU, Adelino Soares frisou que não estão contra a obra, mas perguntou o porquê de uma “derrapagem” de cerca de dois milhões de euros.
“Uma cambalhota” e um inquilino que se porta como senhorio
“Pela voz de Miguel Santos, o PSD parece mostrar alguma desorientação. O PSD votou favoravelmente a expropriação e agora fala em reflexão relativamente ao investimento. Quando assumimos compromissos desta natureza temos de os cumprir. Parece que o PSD está a fazer letra morta do que assumiu anteriormente”, acusou Hugo Padilha, pelo PS, classificando a atitude como “uma verdadeira cambalhota”.
O socialista falou ainda em incoerências, sustentando que quando o presidente do PSD nacional, Rui Rio, fala na importância do investimento público, o PSD local diz “não se faça”.
Aos eleitos do PSD deixou, por isso, algumas questões: “relativamente ao cinema de Ermesinde, defendem a mesma coisa? O investimento não se deve fazer? A junta de freguesia de Alfena, um investimento de alguns milhões de euros, não deve avançar?”. “Queremos que digam se se aplica o mesmo princípio a todo o investimento público”, desafiou.
Em tom crítico e irónico, Hélio Rebelo tomou a palavra para acusar o presidente da Câmara de ter decidido “sozinho” este investimento e deter falado em diferentes valores para a obra. “Logo no início falava num custo estimado de seis milhões de euros. Em 2019 chamou-me mentiroso quando eu falei em 10,5 milhões e disse que ia custar oito milhões. Passados 11 dias em reunião de câmara foram aprovados nove milhões e agora vieram aqui 11,66 milhões de euros. E vem aqui a ‘Casa da Democracia’. Nós já decidimos que era assim que se vai chamar?”, questionou.
Logo de seguida continuou. “Foi apresentada como a casa do senhor presidente. Um homem que está constantemente a dizer que é inquilino, mas comporta-se constantemente como o senhorio”, criticou o eleito do PSD.
Hélio Rebelo perguntou ainda quanto ia custar rechear o edifício, se “mais dois ou três milhões de euros” e garantiu que a sua posição seria diferente se houvesse garantias de financiamento da obra. “Se me disser que conseguimos um financiamento de 85% para os paços do concelho, então avançamos já”, frisou.
O documento “não diz que a câmara vai custar 11,66 milhões de euros”
O presidente da Câmara tomou então a palavra para esclarecer que o que estava em votação era uma autorização prévia para avançar com o investimento. “Não diz que a câmara vai custar 11,66 milhões de euros”, afiançou.
José Manuel Ribeiro reconheceu que, quando o edifício foi apresentado e falou nos seis milhões de euros que agora são referidos não tinha certezas. “Quando veio pela primeira vez o pedido para avançar com o investimento tínhamos a indicação que poderia custar até nove milhões de euros, não tínhamos ainda concluídos os projectos das especialidades. Fizemo-los e contratamos a revisão dos projectos. E o que nos dizem é que a obra pode ser adjudicada por 10 milhões de euros. Eu não acredito, porque temos lançado muitas obras que ficam muitas vezes desertas, e entendemos não arriscar. Não pedimos uma autorização de 10 milhões mais IVA, mas de 11,6 milhões mais IVA. Mas o valor da obra vai ser ditado pelo concurso público” e não ficará acima desse valor, garantiu.
José Manuel Ribeiro salientou que este projecto vai trazer “dignidade” à Câmara e acabar com os custos elevados anuais por haver funcionários dispersos por outros locais.
“Tempos de crise são tempos de investimento. O nome é o que os senhores quiserem, mas os fundos comunitários não pagam edifícios administrativos”, apontou, explicando que é por isso que os edifícios que promovem a regueifa e o biscoito e o brinquedo tradicional se chamam oficinas e não museus, por exemplo.
“Entendemos encontrar outra designação e outras valências para este edifício que não será só um edifício administrativo. Terá capacidade para iniciativas culturais e educacionais para conseguir financiamento comunitário. Se não gostam do nome respeito, mas não podemos ser acusados depois de não ter feito tudo para conseguir o financiamento comunitário. O fundamental é fazer a obra”, argumentou José Manuel Ribeiro.
A proposta foi aprovada por maioria com oito votos contra do PSD e Bloco de Esquerda, três abstenções dos dois eleitos da CDU e um dos eleitos do CDS e 20 votos a favor da bancada socialista e dos quatro presidentes de junta.
“Não temos dúvidas quanto à necessidade de um edifício que confira dignidade às funções da autarquia. Não podemos deixar de deixar interrogações acerca da oportunidade de um empreendimento de tal valor”, disse, em declaração de voto, a CDU, lembrando que o investimento marcará os próximos anos da câmara em termos financeiros.
Também o PSD voltou ao púlpito para frisar a posição já expressa. O projecto, que atravessará cinco mandatos ficou marcado pela “falta de transparência” e quer agradar o “ego” de José Manuel Ribeiro”, acusou Daniel Felgueiras. A empreitada consumirá recursos municipais durante os próximos 20 anos e quando ainda nem começou já ultrapassa os 11 milhões de euros. “Acho que falaremos mais na casa dos 14 a 15 milhões até que as obras estejam concluídas, mas espero que não”, acrescentou.
O social-democrata deixou ainda claro que o PSD é a favor de um novo edifício para a Câmara, ainda que não necessariamente nestes moldes.
A pandemia, e os seus impactos na população, comércio e indústria, deviam fazer a câmara dirigir fundos e esforços para apoiar as dificuldades que vão surgir, com alívio de impostos e taxas, defendeu, referindo que este empréstimo é “temporalmente inadequado”. Devia antes estar a ser elaborado um plano de recuperação económica e social de Valongo, concluiu.