Verdadeiro Olhar

Música à varanda combate isolamento de idosos em Valongo

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

“Estou com saudades. Arranjem maneira de eu ir para lá”, pede Madalena Pimenta, de 84 anos, na varanda do primeiro andar do apartamento onde mora sozinha. Lá é o centro de dia da Santa Casa da Misericórdia de Valongo, encerrado desde o início da pandemia e ainda sem data para abrir. Lá eram uma “família”, garante Nuno Queirós, que é animador sócio-cultural da instituição. Nas últimas semanas, o jovem de 29 anos tem abdicado de parte da sua hora de almoço para ir visitar cada um dos 22 seniores que integravam essa valência.

Leva-lhes uns minutos de conversa e uma música para alegrar o dia. E alegrou, garantiu Madalena no final da visita. “Gostei muito. Gostava era que fosse mais vezes”, disse enquanto mandava beijos da varanda.

“A minha alegria era estar lá”

A cena é de um namoro à moda antiga com um toque de modernidade. Ela veio à janela e ele dedica-lhe uma música, armado de um telemóvel e de uma coluna de som.

“Por isso sai, sai da minha vida. Sai, não te quero ver…”. Desta vez, a música entoada que traz alguns vizinhos à janela é da cantora Ágata. E uma metáfora ao novo coronavírus, que trocou as voltas às rotinas de todos. Na varanda, Madalena Pimenta canta e agita os braços ao som da canção. Foi ela que pediu a Nuno que a música fosse desta artista que “tem músicas lindas”.

Casa visita tem direito a uma conversa, que passa pelo perguntar pelos outros, da “família”. “Estão lá todos bem de saúde? Estou com saudades. Arranjem maneira de eu ir pra lá”, pede a idosa. “Mandam-lhe muitos beijinhos. Temos de ter calma, ao menos assim está protegida”, responde o animador sócio-cultural.

Madalena está isolada em casa e passa o dia praticamente sozinha, apesar das visitas frequentes dos filhos – tem oito, 12 netos e 15 bisnetos. “É do quarto para a cozinha” e um bocadinho de televisão. “A minha alegria era estar lá”, afirma, lembrando que era utente do centro de dia há cinco anos.  No final da curta visita mandou beijinhos e pediu que fosse mais vezes.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Nuno Queirós também quer que assim seja. Quer continuar este projecto. Desde Julho deu início a esta primeira ronda de visitas para matar saudades dos utentes que estão sozinhos e sem actividades. Fá-lo nos tempos livres, à hora de almoço. “Queria fazer algo que fizesse a diferença. Lembrei-me de visitá-los e criei uma página para sensibilizar a comunidade. Eu conheço estes casos, mas existem centenas nesta situação, que precisam de companhia”, salienta.

“Sentia que estava a falhar com estes meus avós”

É pouco tempo, mas o suficiente para alegrar-lhes a vida e dar-lhes alento, acredita. “Nós somos uma família. Passávamos o dia inteiro juntos e sentia que estava a falhar com estes meus avós. Isto não vai mudar a vida deles, mas creio que faz a diferença”, afirma o jovem.

São já cinco meses sem qualquer estímulo. “Falta-lhes a rotina, estar em convívio, ver pessoas, uma simples conversa…”, sustenta.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Terminada esta primeira ronda, Nuno quer voltar às varandas ou aos pátios, com as devidas distâncias, com novas actividades, de estimulação cognitiva ou de exercício físico.

“O sonho era expandir para o concelho e que o município apoie este projecto enquanto não há alternativa ou mesmo mantê-lo para o futuro, porque os centros de dia não chegam para as necessidades”, defende o animador sócio-cultural. Estes momentos lúdicos e de estimulação podem acontecer a par dos cuidados de alimentação e higiene ao domicílio.