A ligação aos bombeiros é quase umbilical e o gosto pelo socorro cresceu com a experiência no terreno acumulada em vários anos de serviço na corporação da terra que o viu nascer, Baltar, primeiro como motorista auxiliar, depois bombeiro e também adjunto de comando. Agora, aos 53 anos, José Carlos Aires assume um novo desafio, o de comandar pela primeira vez uma corporação.
Tomou posse como novo comandante dos Bombeiros Voluntários de Lousada na semana passada. Entre as prioridades estão criar uma relação de confiança, lealdade e respeito” com os bombeiros, dar mais formação, reorganizar a parte operacional e a estrutura do quadro activo e conseguir mais equipamentos de protecção individual.
“Sempre foi uma paixão ser bombeiro. Todos os dias passava no quartel, de manhã, à tarde, à noite… Era um ritual”
José Carlos Aires tinha 22 anos quando se juntou aos Bombeiros Voluntários de Baltar. “A ligação aos bombeiros vem de família. O meu pai foi presidente da associação humanitária e um tio também. Já estava no sangue da família a veia de bombeiro”, acredita.
Tinha acabado de cumprir o serviço militar e já trabalhava na empresa do pai, também em Baltar, indústria que ainda hoje gere.
O irmão tinha ingressado nos Bombeiros de Baltar dois anos mais cedo. Ele entrou como motorista auxiliar, supostamente apenas para conduzir, mas os tempos eram outros e era “um autêntico bombeiro”, não esconde. A sua função era levar os outros bombeiros para incêndios e acções de socorro. A formação inicial havia de fazê-la mais tarde. “Só fiz a Escola de Bombeiros por volta dos 40 anos”, conta.
A aprendizagem tinha-a feito com a experiência. Entre muitos acidentes e incêndios que o marcaram nessa fase, a marca maior foi a de uma realidade que antes desconhecia. “Uma coisa que me marcou nessa entrada para os bombeiros foi ver a pobreza que nos rodeava e de que não tinha conhecimento. Quando íamos buscar doentes víamos situações de autêntica pobreza, material e de mentalidade. Não tinha a noção que naquela altura ainda viviam pessoas com chãos de terra e divisões feitas de lençóis. Muitas vezes, no regresso do hospital passávamos pela farmácia, para os doentes aviarem receitas, e já nessa altura muitos não tinham dinheiro para os remédios. Eu e os meus colegas muitas vezes custeávamos os medicamentos, sobretudo quando havia crianças envolvidas”, relata José Carlos Aires.
Ainda assim, apesar das situações nem sempre fáceis enfrentadas, o amor aos bombeiros instalou-se rapidamente. “Sempre foi uma paixão ser bombeiro. Todos os dias passava no quartel, de manhã, à tarde, à noite… Era um ritual. Havia camaradagem e já que lá estávamos, e éramos quase todos voluntários, estávamos sempre prontos a sair”, dá como exemplo o natural de Baltar.
Ser comandante era algo que “nunca lhe tinha passado pela cabeça”
Por questões profissionais haveria de estar afastado dos bombeiros, passando ao quadro de reserva, até que, em 2007, foi convidado para ser adjunto do comandante nos Bombeiros de Baltar. Voltou e esteve em funções até 2016. Pediu então para sair e voltou ao quadro activo como oficial de bombeiro de primeira. Um ano depois pediu a exoneração.
Mesmo nesse período mantinha-se o bichinho. “Sempre que ouvia as sirenes ou via os carros a passar era um sofrimento”, confessa.
José Carlos Aires é casado, tem três filhos, um deles recém bombeiro, na corporação de Baltar. Seria talvez uma inevitabilidade. “Vestiu a farda quando era pequeno e cresceu comigo bombeiro”, conclui.
E a conciliação do voluntariado com a família vai-se fazendo, ainda que “com o esforço das ausências”, acredita. “Em minha casa tudo transpira bombeiros. Quando fui adjunto foi com a bênção da esposa, que sabia que aquilo me fazia feliz. Quando saí estava a ter outra vez qualidade de vida”, brinca. “Pensava que estava curado, mas apareceu este convite”, acrescenta com um sorriso.
Era o desafio do presidente dos Bombeiros de Lousada, Antero Correia, para comandar a corporação, que surgiu em Dezembro de 2018. “Pensei duas vezes”, não esconde o agora comandante. É uma função que “não é fácil e exige uma responsabilidade muito grande”, assume. Além disso, “vivem-se tempos turbulentos, quase de caça às bruxas, e os comandantes dos bombeiros são alvos apetecíveis quando algo corre mal”, explica.
Não conhecia ninguém em Lousada, mas sabia que o concelho tinha “um bom corpo de bombeiros” e que se trataria de assumir a responsabilidade sobre cerca de 50 mil habitantes e um grande tecido empresarial.
Ser comandante era algo que “nunca lhe tinha passado pela cabeça”. “Mesmo em Baltar tive essa oportunidade e recusei. Não era uma ambição nem fazia parte dos meus objectivos estar à frente de um corpo de bombeiros, mas os desafios nunca me meteram medo”, salienta José Carlos Aires.
Aceitou. Porquê? “Assumi esta missão para vir dar o meu melhor, com a experiência que adquiri ao longo dos anos, e tentar deixar o meu cunho se isso for uma mais-valia para o corpo de bombeiros. Não quero defraudar as expectativas”, sustenta o homem de 53 anos. Além disso, afirma, sem pretensiosismos, que um convite destes não é feito a qualquer um. “Se veio aqui um presidente lançar-me o convite, se ele tinha falado com comandantes de alto gabarito do distrito do Porto que faziam de mim uma boa escolha, se eu gostava dos bombeiros e estava com coragem de dar o peito às balas, pensei porque não?”, resume. “Sou industrial, mas isso não me realiza a 100%”, explica ainda, falando da importância do exemplo que dá aos filhos.
Bombeiros de Lousada têm meios, mas é preciso renovação e mais protecção individual
Em Março, foi apresentado ao corpo de bombeiros de Lousada. “Fui bem recebido”, garante. Perante um “corpo activo jovem, mas maduro” composto por 100 homens e mulheres (20% dos elementos já são femininos), José Carlos Aires diz que o maior desafio passará pelas relações humanas.
“Só com a ajuda deles e com um trabalho conjunto conseguiremos levar as coisas para a frente”, acredita. O primeiro objectivo é, pois, criar uma relação de “confiança, lealdade e respeito” com os bombeiros. “Vou saber ouvir”, promete.
O próximo passo será também avançar para a reorganização da parte operacional e da estrutura do quadro activo. “Isso estava a ser feito, mas não foi terminado e exige a minha atenção”, explica. A formação é outra prioridade, permitindo aos bombeiros progredir e abrindo ainda outras portas.
“Os bombeiros são eternos pobres de mão estendida e as empresas deveriam olhar para os bombeiros como parceiros. Se tivermos formadores podemos dar formação certificada essencial em caso de sinistro aos seus colaboradores”, dá como exemplo José Carlos Aires. Isso pode dar à corporação retorno em termos materiais ou financeiros. “Uma corporação de bombeiros sobrevive com as quotas dos associados, dos subsídios municipais e dos da Autoridade Nacional de Protecção Civil e das actividades que faz. Mas não é suficiente para elevado custo com os equipamentos e veículos necessários”, clarifica.
Em termos de viaturas, o novo comandante sustenta que os Bombeiros de Lousada têm meios suficientes, embora seja necessária renovação de carros de incêndio e de ambulâncias de emergência hospitalar, por força da idade e do uso. Também é preciso, garante, mais equipamentos de protecção individual, tanto novos como renovar os existentes. “São muitos milhares de euros. Essa é uma dificuldade de todas as corporações de bombeiros”, assume. Este é, por isso, um dos objectivos mais importantes e imediato. “Está em causa a segurança dos bombeiros. E isso não se pode descurar”, frisa.
Quanto ao quartel, à margem do debate que tem sido gerado sobre a construção de um novo edifício ou remodelação do actual, José Carlos Aires limita-se a dizer que “o quartel como está não é funcional” e “não cumpre as necessidades da corporação”. Lembra ainda que o número de mulheres está a crescer, o que dificulta a gestão dentro do quartel, sobretudo quando se fala das escalas para o dispositivo de combate a incêndios.
José Carlos Aires tem como adjunto Norberto Teixeira. Espera completar o quadro de comando com outro adjunto e um 2.º comandante em breve.