À pergunta “quem não quer isto aqui?” mais de meia sala levantou o braço. E quase todas as intervenções realizadas na sessão de esclarecimentos sobre a unidade de valorização de bio-resíduos que está prevista para a zona industrial de Parada/Baltar, que juntou cerca de 150 pessoas, foram contra o investimento, independentemente das explicações dadas pelo presidente da Câmara de Paredes e por um técnico da Ambisousa, empresa intermunicipal que gere os resíduos dos seis concelhos do Vale do Sousa. Muitos acusaram o município de esconder esta unidade e questionaram o porquê da localização, durante uma sessão em que os ânimos se exaltaram algumas vezes e houve acusações sobre aproveitamento partidário.
Alexandre Almeida voltou a deixar a garantia de que a unidade industrial em causa, um investimento de 18 milhões de euros que vai implicar a criação de 60 postos de trabalho, não causará maus-cheiros. Frisou também que o projecto só avança se o estudo de impacte ambiental pedido, que será acompanhado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), não mostrar consequências negativas. O autarca anunciou ainda a criação de uma comissão de acompanhamento com elementos da assembleia de freguesia e da população.
Como nem todos conseguiram entrar no Centro Escolar de Baltar, devido às limitações da Direcção-Geral da Saúde, hoje há nova sessão de esclarecimentos, pelas 21h30, no Centro Escolar de Baltar.
“Não está previsto qualquer tipo de aterro em Parada/Baltar. Naquela zona não vai haver um grama de lixo”
Perante os presentes, e com algumas interrupções, Alexandre Almeida, presidente da Câmara, e Daniel Lamas, engenheiro da Ambisousa, voltaram a elencar os detalhes já conhecidos sobre o projecto candidatado pela empresa intermunicipal a fundos comunitários, cuja meta é estar concluído até 2023.
Trata-se de um investimento numa unidade industrial a rondar os 18 milhões de euros que se vai dedicar à valorização de bio-resíduos – restos de comida e resíduos verdes – com capacidade para tratar 25 mil toneladas de resíduos por ano e que produzirá 1,2 milhões de metros cúbicos de biometano, que vai gerar gás natural, e 8200 toneladas de composto por ano. Isso gerará, no pico de funcionamento – algo que pode ser atingido “só ao fim de 10 anos” – a circulação de seis camiões por dia.
Quer o autarca quer o técnico da Ambisousa salientaram que a partir de 2024 será obrigatório reciclar os bio-resíduos através destas unidades, com a população a passar a fazer a separação dos mesmos, através de um novo contentor de reciclagem: castanho.
“Não está previsto qualquer tipo de aterro em Parada/Baltar. Naquela zona não vai haver um grama de lixo. O que vai lá parar é uma indústria como muitas outras, que vai valorizar resíduos e transformá-los em gás natural e num composto. Todo esse sistema é feito em circuito fechado”, sustentou Alexandre Almeida. “Este é o futuro, os aterros vão ter de terminar e teremos de valorizar tudo o que for possível. Já existem unidades destas, por exemplo a Lipor, que está num núcleo com mais casas à volta e onde não há cheiros”, sustentou o edil, anunciando a criação de uma comissão de acompanhamento com populares e elementos da assembleia de freguesia e propondo visitas à unidade da Lipor para quem tiver dúvidas.
“Trata-se de uma empresa que vai criar 60 postos de trabalho, vai criar riqueza e não vai ter impacto ambiental”
“Não tenho dúvidas nenhumas de que aquilo não causa problemas a Baltar. Trata-se de uma empresa que vai criar 60 postos de trabalho, vai criar riqueza e não vai ter impacto ambiental. Mas apesar disso exigi à Ambisousa que se fizesse um estudo de impacte ambiental. Se houver algum impacto mínimo ou se a APA e CCDR-N levantarem reservas de que possa ser prejudicial deixo-vos a garantia de que serei o primeiro a não querer isto cá e de que a unidade não será instalada”, afirmou o presidente da Câmara.
O autarca voltou também a explicar o porquê de a escolha recair sobre a zona industrial de Baltar: é um local central, perto de uma saída da auto-estrada e uma zona industrial sem grandes casas à volta, além de ter acesso à rede de gás natural. E adiantou que quando a capacidade máxima desta unidade for atingida terão de ser criadas outras, noutros concelhos.
Daniel Lamas, salientando que não é político, mas técnico ambiental, explicou que tem assistido “a muitas inverdades” sobre este processo. Frisou ainda que a partir de 2024 será preciso cumprir as metas de reciclagem de bio-resíduos, sob pena de ser necessário penalizar os munícipes dos seis concelhos na factura. Das 140 mil toneladas de resíduos produzidas, 92% vão actualmente para aterro e só 8% para reciclagem, um panorama que é preciso mudar, defendeu. Dos resíduos produzidos em casa, 40% são bio-resíduos. Garantiu ainda que a unidade prevê que toda a operação seja “em edifício fechado” e “com sistemas de desodorização”.
“Se dissermos resíduos orgânicos em vez de lixo parece que é outra coisa e que cheira menos mal, mas não cheira”
Dos presentes vieram críticas e acusações, algumas dúvidas e sobretudo a certeza de que não querem a unidade na freguesia.
“Temos informações que há unidades no estrangeiro iguais a esta e que são uma desgraça. O presidente da Ambisousa disse que somos ignorantes e incultos, deixo o meu repúdio por não ter tido a coragem de vir aqui”, apontou Jorge Mota. “Temos uma zona industrial muito boa e à entrada da auto-estrada em Rebordosa porque não foi aproveitado esse acesso?” e “O nosso presidente de junta teve voto na matéria?”, foram as questões de Bruno Moreira, a que Alexandre Almeida respondeu dizendo que a rede de gás natural ainda não chega àquela zona industrial nem ela reúne os hectares necessários para a obra, esclarecendo ainda que o presidente de junta não foi ouvido numa fase em que apenas foi apresentada uma candidatura que pode até ser reprovada. “Mesmo que a candidatura seja aprovada caberá à câmara licenciar e quem manda em Paredes somos nós”, salientou o autarca.
“Este projecto não é recente, está a cozinhar há algum tempo. Já percebi que é uma fábrica e que todos os dias fazemos resíduos e têm de ser tratados. As pessoas não querem lixo à porta e estão revoltadas porque nas últimas décadas Baltar esteve esquecido, ia tudo para Gandra, Rebordosa e Lordelo. Isto vai criar postos de trabalho, mas serão para baltarenses?”, questionou Fernando Sousa.
Já Luís Cruz, representante de um movimento cívico criado que está contra a unidade em Baltar deixou várias críticas. “Em nenhum momento os que nos querem encher de lixo usam a palavra lixo, usam a expressão resíduos orgânicos porque é mais bonito. Se dissermos resíduos orgânicos em vez de lixo parece que é outra coisa e que cheira menos mal, mas não cheira. Lixo é lixo”, começou por dizer, questionando depois o presidente da Câmara sobre o porquê de ter “escondido” a obra dos baltarenses e dos paredenses. “Se o investimento é tão bom porque é que nenhum outro concelho do Vale do Sousa o quis”, ironizou ainda sobre uma ideia partilhada noutras intervenções. “Acusaram os baltarenses de aproveitamento político, mas estas pessoas todas não fazem parte de movimentos políticos. Só vejo dois caminhos, o bloqueio deste projecto ou a população vir para a rua. Lixo em Baltar não”, defendeu, lançando o apelo para que se trave o projecto.
“Existe alternativa ou plano B a esta unidade ou estamos aqui a fazer de conta?”
Manuel Pinho, candidato assumido à Câmara Municipal pelo Movimento Juntos por Paredes também marcou presença na sessão, referindo que estas unidades são necessárias e que “criar energia e produtos a partir do lixo é o futuro”. Diz não saber se Baltar seria a melhor localização para este investimento, mas entende que a freguesia para onde vá deve ter contrapartidas e mostrou-se satisfeito com a criação de uma comissão de acompanhamento. “As contrapartidas não se põem, porque não há prejuízos, há ganhos”, esclareceu Alexandre Almeida.
No final uma baltarense deixou uma pergunta no ar: “existe alternativa ou plano B a esta unidade ou estamos aqui a fazer de conta?”. Um outro morador resumiu o sentimento geral. “A grande maioria dos baltarenses não quer esta unidade. Já tivemos cá maus-cheiros devido à ETAR. Custa acreditar que essa unidade não será um cancro para Baltar”, disse.