Verdadeiro Olhar

Mário Rocha: “Não sou um político nem sou oposição a ninguém. Mas sei ver que as pessoas que vivem, trabalham e estudam em Paredes merecem muito mais do que aquilo que lhes tem sido dado.”

VO: A Antarte começou como uma pequena empresa em Paredes e hoje é uma marca de renome internacional no setor de mobiliário e design. Pode-nos falar sobre os primeiros tempos da Antarte e como foi esse percurso desde a fundação até conquistar esta reputação?

MR: A Antarte foi fundada como uma empresa dedicada à comercialização de antiguidades e arte, mas cedo percebemos que a marca devia seguir um percurso diferente. Decidi que o caminho da Antarte devia ser o de se tornar uma marca com coleções de mobiliário de design intemporal. Em pouco tempo percebi também que devíamos ter uma rede de lojas próprias que estivesse presente nas principais cidades do país. Mas não podíamos ficar limitados a Portugal. Por esse motivo, logo nos primeiros anos de atividade avançamos para outros destinos. Numa fase inicial, escolhemos os países europeus e depois demos o salto para África.

VO: No início, quais foram os maiores desafios que encontrou ao tentar colocar uma marca portuguesa no mercado internacional de mobiliário e design?

MR: A concorrência das marcas europeias, como as italianas ou francesas, obrigou-nos a ter um grande padrão de exigência em termos de design e qualidade para podermos competir de alguma forma com elas. Entre as empresas portuguesas do setor não havia esta cultura há 25 anos. Isso obrigou, no bom sentido, a estar na dianteira das marcas portuguesas de mobiliário, mesmo em termos de marketing.

VO: Nestes 25 anos, que marcos ou momentos foram fundamentais para o crescimento da Antarte a nível nacional e internacional?

MR: Podia referir muitos marcos e inúmeros projetos que hoje temos o orgulho de expor no Antarte Museum, o museu da história da marcenaria e da Antarte que inauguramos este ano. Mas o que mais me deixa feliz é saber que durante estes anos contribuímos para que muitas famílias pudessem ter trabalho e a sua autonomia graças aos postos de trabalho que criamos. E, de facto, se gosto muito da marca que fundamos, aquilo que mais me realiza é saber que contribuímos socialmente para a sustentabilidade de muitas famílias, da nossa economia e, sobretudo, do nosso concelho.

“Orgulha-me muito que uma empresa e uma marca da minha terra tenham conquistado essa dimensão internacional.”

Em 2010, a Antarte produziu a cadeira usada pelo Papa Bento XVI durante a sua visita ao Porto, e que o Papa solicitou que fosse enviada para o Vaticano. Agora, teve a oportunidade de criar uma cadeira exclusiva para o Papa Francisco, usada na sua primeira visita oficial a Timor-Leste. Como se sente ao produzir peças tão especiais para duas figuras tão relevantes mundialmente?

Há mais de uma década que a Antarte trabalha em projetos com o Vaticano e Timor. Mais do que o que posso sentir ao ver dois Papas sentados em peças criadas pela Antarte, o que sublinho é o reconhecimento do Vaticano sobre a nossa dedicação. E esse reconhecimento é uma espécie de assinatura mundial da nossa marca, uma marca portuguesa e de Paredes. Orgulha-me muito, que uma empresa e uma marca da minha terra tenham conquistado essa dimensão internacional.

O Papa Francisco chegou a comentar algo sobre a cadeira que a Antarte produziu? Recebeu algum tipo de feedback pessoal da parte dele?

O Papa Francisco agradeceu a dedicação da Antarte ao projeto que levou à produção do cadeirão e acolheu com agrado o envio desta peça personalizada para o Vaticano.

Sabemos que teve uma audiência privada com o Papa Francisco. Pode partilhar um pouco sobre essa experiência? De que falaram durante esse encontro?

O Papa Francisco é uma figura mundial e um chefe de estado respeitado em todo o mundo. O que senti naquele momento foi algo muito tocante tanto do ponto de vista espiritual como pela dimensão institucional do Papa. Foi um momento inesquecível. Faz-nos sentir quem somos e inspira-nos a cumprir melhor os nossos deveres sociais.

“Numa altura em que o desemprego batia máximos históricos, optei por nunca desistir daquilo em que acredito.”

Nem tudo foi fácil no caminho da Antarte. A empresa passou por uma fase difícil de insolvência. Como foi enfrentar essa situação e, mais importante, como conseguiu reerguer a empresa após um período tão desafiante?

A Antarte passou por uma fase menos boa. Vem à minha memória o difícil ano de 2011. A Troika tinha chegado a Portugal para aquilo que ficou conhecido como “o resgate”, e o país passou por aquela que será talvez a maior crise económica das últimas décadas. O nosso grupo de empresas não conseguiu passar ileso a essa delicada situação. Fui obrigado a fazer uma reflexão muito séria sobre o grupo, que tinha nessa altura cinco empresas. Cheguei à conclusão de que a melhor solução era dar dois passos atrás para voltar a caminhar numa rota de sucesso. Não foi uma decisão fácil, mas a opção foi apostar numa ferramenta de gestão que existia à data que era uma insolvência e recuperação porque só desta forma nos conseguíamos libertar de contratos insustentáveis que tínhamos com 4 lojas em shoppings que não eram rentáveis, e encerrar as mesmas. E criar uma nova empresa – uma sociedade anónima. Desta forma consegui revitalizar o projeto da Antarte. Outro ponto de extrema importância foi ter salvo empregos num momento em que o desemprego era um flagelo para famílias completas. Cumprimos com todos os compromissos com os nossos trabalhadores. Não houve um único despedimento. Alguns colaboradores tomaram a opção de sair por iniciativa própria e, como é óbvio, pagamos tudo a que tinham direito.

Que lições retirou dessa experiência de recuperação? Que mensagem gostaria de deixar a outros empresários que possam estar a passar por dificuldades semelhantes, mostrando que é possível dar a volta por cima e alcançar prestígio?

Uma lição de resiliência. Desistir em momentos complicados é o mais fácil. Mas quando olhava para cerca de 100 trabalhadores e via que estavam em causa cerca de 90 famílias, numa altura em que o desemprego batia máximos históricos, optei por nunca desistir daquilo em que acredito. Esse foi o grande segredo para ultrapassar o pior momento da Antarte. Foi um momento muito difícil que nunca vou esquecer, quer pela negativa como pela positiva. E digo pela positiva porque, se é que se pode falar em algo positivo, deu-nos um outro conhecimento de gestão e uma resiliência que dificilmente teríamos se não tivéssemos passado por este processo. Sem este momento difícil, a Antarte não seria o que é hoje.

“Timor-Leste era um país muito jovem e que necessitava de criar indústrias de base com mão de obra local.”

O Presidente da República de Timor-Leste, José Ramos-Horta, esteve em Portugal para inaugurar o Antarte Center e o Antarte Museum, e brevemente voltará à empresa para outro trabalho. Esta relação especial com Timor-Leste nasce do seu projeto “Uma Fábrica Por Timor”, onde ajudou a criar a primeira fábrica no país após a independência. Como surgiu essa iniciativa e como foi a sua experiência?

Em 2007, coordenei o projeto “Uma Fábrica para Timor”, para a instalação da primeira fabrica/carpintaria de móveis em Baucau, Timor-Leste. Era um país muito jovem e que necessitava de criar indústrias de base com mão de obra local. Na altura, coordenei a ação conjunta de cerca de 30 empresários de Paredes que se associaram à iniciativa e doaram maquinaria, coordenei a definição do layout da fábrica e toda a logística de envio e instalação dos equipamentos. O sucesso deste projeto traduziu-se no fornecimento de mobiliário para diversas instituições de Timor como a Presidência da República, tribunais de Dili, Ministério dos Negócios Estrangeiros e hotéis.

Recentemente, visitou Timor-Leste e a fábrica que ajudou a montar. Qual foi o sentimento ao ver o resultado desse projeto? A fábrica continua a funcionar?

Foi uma emoção enorme ver que, ao fim de quase 20 anos, a fábrica continua a funcionar apesar de todas as naturais dificuldades de um projeto que foi implantado num país ainda muito jovem e com falta de mão de obra qualificada. Algum equipamento está naturalmente obsoleto. Tomei a iniciativa de propor ao bispo de Baucau e ao senhor Presidente da República de Timor-Leste para se avançar para uma segunda fase que promova uma renovação dos equipamentos e ações de formação profissional especializada.

“Na Antarte não ficamos apenas pelas intenções.”

Em 2023, a Antarte foi distinguida pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego pelas boas práticas na promoção da igualdade remuneratória entre Mulheres e Homens. O que significa para si e para a empresa receber este reconhecimento?

É um imenso orgulho. Desde logo porque somos uma empresa de base industrial, mas na Antarte trabalha um número praticamente igual de mulheres e homens. Depois, porque apesar de muito se falar destas questões de igualdade, na Antarte não ficamos apenas pelas intenções. E ainda queria salientar que neste momento trabalham no nosso grupo pessoas de 10 nacionalidades. Também somos uma empresa com uma filosofia de inclusão. Não posso deixar de referir que muito contribui para isto o facto de termos cerca de 40 mulheres, entre vendedoras, designers de interiores e arquitetas nas lojas.

De que forma a Antarte implementa estas práticas de igualdade no dia a dia da empresa? Que mais pode ser feito, a nível geral, para promover a igualdade de género no mundo do trabalho?

Implementamos, como indiquei há pouco, fazendo. Não ficamos pelas intenções. Quando são constituídas equipas de trabalho para projetos, incluímos pessoas de todas as idades, sejam mulheres ou homens. Os projetos mais desafiantes são também projetos onde há inclusão. Não olhamos a questões de idade ou de género.

“É um dever de qualquer cidadão participar na vida pública.”

A sua experiência na política entre 2005 e 2009, onde foi vice-presidente da Câmara Municipal de Paredes, marcou-o de alguma forma? Decidiu afastar-se ao fim de um mandato, por opção própria. O “bichinho da política” ainda persiste?

Eu penso que é um dever de qualquer cidadão participar na vida pública. Eu já o fiz na indústria, no comércio, no desporto, na cultura e na área social e há quase 20 anos fui também autarca. Em qualquer dessas funções dei sempre o meu melhor, pondo sempre o foco naqueles que servia pelo que nunca estive agarrado a qualquer cargo. Nessa medida, na Câmara, tenho a consciência de ter cumprido com lealdade e seriedade as minhas responsabilidades. E por isso me orgulho de o ter feito.

Existem rumores de que poderá ser candidato à presidência da Câmara Municipal de Paredes pelo PSD. Esses rumores têm fundamento? Vê-se a regressar à política ativa para liderar o município?

Diz bem, existem rumores… como sabe quem me conhece, em nenhuma área da minha vida comento ou me ocupo com rumores. Tenho-me dado bem com esse princípio e vou respeitá-lo.

Caso decida voltar à política, o que gostaria de trazer de novo a Paredes? Quais seriam as suas prioridades como presidente da Câmara Municipal?

Como já disse, não sou um político nem sou oposição a ninguém. Mas sei ver que as pessoas que vivem, trabalham e estudam em Paredes merecem mais do que aquilo que o poder central e local lhes tem dado nos últimos anos. Até digo, merecem muito mais. O que tenho procurado é, enquanto empresário ou nas funções para as quais tenho sido desafiado, cumprir o meu dever e responsabilidade social. E é isso que neste momento me ocupa prioritariamente.