Verdadeiro Olhar

Lousadense está a fazer inventário da doçaria tradicional portuguesa

O trabalho é doce. E doces têm sido as memórias conquistadas pela lousadense Cristina Castro desde que abraçou o desafio de inventariar as histórias da doçaria tradicional portuguesa.

Tem percorrido o país, e as ilhas, em busca de doces típicos e das pessoas que os fazem e vendem. O primeiro livro que resulta deste projecto, “A Doçaria Portuguesa – Norte” foi lançado em Novembro do ano passado. Agora, no dia 29, será apresentado o segundo volume, “A Doçaria Portuguesa – Sul”. No total, já foram retratados 329 doces.

A autora, que provou todos, defende que doces e emoções estão intimamente ligados. E apesar de ter gostado de tudo o que provou, à pergunta “qual o seu doce preferido?”, depois desta maratona de doçaria, Cristina Castro continua a responder “as rabanadas de Natal da minha mãe, o pudim francês da minha tia e umas pêras bêbadas que a minha mãe costumava fazer…”.

Foto: Gonçalo Barriga

Projecto junta história e gastronomia

Nasceu em Sousela, Lousada, onde fez a escola primária. Seguiu-se um percurso escolar ligado a Santo Tirso e um curso na área do design gráfico, em Lisboa. Especializou-se em web design e na produção de vídeo.

A ideia de fazer um projecto que juntasse história e gastronomia era antiga. “Sempre gostei muito de história e sempre fui admiradora das tradições”, conta Cristina Castro.

“Também sempre gostei muito de comer e cozinhar e sempre fui incentivada a isso em casa. A minha mãe é uma excelente cozinheira”, salienta a autora dos livros “Doçaria Portuguesa”. O gosto pela cozinha e sobretudo pelos doces atravessou décadas e começou na infância.

“Sempre tivemos o costume de sair, em família, ao fim-de-semana, e, na minha cabeça, fui registando o que comia naqueles locais”, sobretudo os doces mas também outras iguarias, explica. Uma situação curiosa foi uma visita a Vila Viçosa em que começou a ter uma sensação de “dejá vu”. “Lembrei-me de uma sopa que ali tinha comido. Liguei ao meu pai a confirmar e realmente tínhamos estado lá. Era um restaurante em que as pessoas se sentavam e a dona trazia logo a sopa do dia sem perguntar se queríamos. E era maravilhosa. Muitas das minhas memórias de viagem são sobre comida”, refere Cristina Castro.

Por isso, decidiu que estava farta de livros de culinária com receitas mas que não contavam as histórias das coisas e de onde vinham. E decidiu avançar com o seu próprio projecto, na área da doçaria, uma área que achou que estava mais “esquecida”.

Juntou os amigos, no dia do seu aniversário, em 2015, e pendurou, na sala, um mapa de Portugal cheio de pioneses com locais assinalados, anunciando que nos próximos anos se ia dedicar ao maior inventário de doçaria portuguesa.

Foto: Gonçalo Barriga

 

Lousada foi ponto de partida para descobrir os doces do Norte

“Mais tarde apercebi-me que a doçaria tem algo de romântico. Quando perguntamos a alguém qual é o seu doce preferido isso normalmente é associado a uma pessoa. A mousse da minha mãe, o pão-de-ló da minha tia… A comida está muito ligada às emoções”, salienta a lousadense.

Percebeu que não ia conseguir fazer tudo sozinha e rodeou-se de amigos, da área da fotografia e do vídeo, e criou uma equipa para começar um gigantesco inventário dos doces de Portugal que a tem feito percorrer o país. “Contactei câmaras e outras entidades locais e comecei a fazer uma lista de doces e pessoas com quem podia falar, não só quem os produz, mas também historiadores locais, entre outros”, adianta. Depois desta inventariação meteu pés ao caminho e foi falar com as pessoas, registando tudo em vídeo.

Lousada tornou-se, nessa altura, um ponto estratégico na realização da edição Norte do livro. “Lousada e a casa dos meus pais foram o ponto de partida para chegar a vários locais do Norte. Fiquei lá durante algumas semanas. Permitia-me estar perto de tudo e tinha bons acessos”, sustenta a designer.

Tortas de São Martinho, bolinhos de amor, sopa seca e cavaco representam Penafiel e Paredes

Mas o que são afinal os livros “A Doçaria Portuguesa”. O objectivo é criar uma colecção de livros que retrata doces típicos de cada local que ainda podem ser adquiridos e provados por quem lá vai. Uma espécie de guia ou roteiro dos doces nacionais. Os livros não têm receitas mas histórias, até porque, defende a autora, “esta doçaria muitas vezes não tem medidas, é quase tudo feito a olho, com anos de prática”.

Cristina Castro é uma faz tudo. Entrevista, escreve, faz design, recolhe imagem em vídeo e ainda prepara a parte estética na recolha das fotografias. Gonçalo Barriga é o fotógrafo e Ana Gil ilustra pratos que, sendo típicos de várias regiões, não podem ser associados a um único local. O conceito da capa foi criado por Micaela Amaral e inclui os nomes de todos os doces presentes nos livros, tendo sido recentemente distinguida com um prémio.

O primeiro livro resultante desta pesquisa, “A Doçaria Portuguesa – Norte”, foi lançado no ano passado. Tem 157 doces de 60 concelhos, entre eles três de Penafiel – as tortas de São Martinho (“um doce que não é doce mas que as pessoas entendem como doce”; os bolinhos de amor; e a sopa seca (típica em vários locais mas associada a Penafiel que tem em Duas Igrejas a “Terra da Sopa Seca”) – e um de Paredes (o cavaco). Associado à divulgação deste projecto existe também o site No Ponto onde vai divulgando os vídeos sobre os doces e onde podem ser adquiridos os livros.

No dia 29, será lançado, em Lisboa, o segundo volume da colecção, “A Doçaria Portuguesa – Sul”, onde estão retratados mais de 170 doces de 51 concelhos. No dia 23 de Dezembro, Cristina Castro estará em Lousada a apresentar este livro (em local ainda a designar).

“Ainda há muito a explorar no que toca a tradições, história e gastronomia”

Ao fim de mais de dois anos de trabalho diz que gostou de todos os doces que provou e não tem nenhum preferido, pelo menos que conste dos livros. “Não houve nenhum doce de que eu não tivesse gostado. Mas os meus preferidos continuam a ser as rabanadas de Natal da minha mãe, o pudim francês da minha tia e umas pêras bêbadas que a minha mãe costumava fazer”, diz.

O que pretende fazer depois de acabar este projecto? “Para já tenho a certeza que estarei mais gorda e espero não estar diabética ao fim destes livros”, brinca. Mas não esconde que já tem novas ideias, apesar de não as querer revelar. “Ainda há muito a explorar no que toca a tradições, história e gastronomia”, garante.

Ser cozinheira ou doceira está fora de questão. “Já sonhei ser cozinheira. Mas testei num restaurante de um amigo e percebi que não quero ser cozinheira de profissão. Cozinho em casa, para a família e amigos. Sou melhor a comer”, diz entre risos.