Combater a solidão e proporcionar aos seniores um envelhecimento activo são os principais objectivos das muitas iniciativas que a Câmara Municipal de Lousada desenvolveu durante o mês de Outubro, designado de “Mês do Idoso”.
Embora Lousada seja um dos concelhos com a população mais jovem do país, é também um dos que tem maior esperança média de vida e uma menor taxa de mortalidade na população idosa. “Costumo dizer que quem quiser vir viver para cá dura mais tempo”, brinca a vereadora da Acção Social da autarquia.
O VERDADEIRO OLHAR acompanhou Cristina Moreira três das visitas que realizou durante este mês aos 25 idosos mais velhos das 25 (antigas) freguesias do concelho. Uma actividade que pretende perceber como vivem os seniores do concelho e em que áreas é necessária a intervenção do município.
A conclusão é positiva: “Os idosos de Lousada estão muito bem tratados”.
Maioria dos idosos de Lousada vive bem e tem rectaguarda familiar
Segundo o INE, em 2015 residiam em Lousada 5.751 pessoas com mais de 65 anos. Dessas, 1.300 tinham mais de 80 anos e eram, na sua maioria, mulheres. Por isso, num concelho onde a juventude reina, a autarquia procura não esquecer esta faixa etária.
Este mês, à semelhança de anos anteriores, visitaram-se idosos, fizeram-se conferências e seminários sobre o tema e até se elegeram a Miss e o Mister Sénior do concelho, numa tentativa de mostrar que tudo se pode fazer, em qualquer idade.
As visitas, explica Cristina Moreira, começaram há três anos, numa tentativa da autarquia de estar mais perto da população idosa do concelho. “Não é fácil para as pessoas de mais idade, quer por dificuldade de mobilidade quer por cultura, pedir ajuda. Temos que se nós a ir ter com elas”, acredita a autarca. Na impossibilidade de chegar a todos, a Câmara optou por escolher uma amostra, com base visitar as pessoas mais velhas de cada uma das antigas 25 freguesias. “Com essa amostra conseguimos um conjunto de dados que nos fazem reflectir sobre como é que os idosos estão a viver no concelho e onde podemos intervir”, sustenta a vereadora.
E os resultados são mais que positivos. Mostram idosos bem tratados, a maioria a viver em casa e com rectaguarda familiar assegurada, com apoio de filhos e muitas vezes sobrinhos ou outros familiares, e com apoio de instituições no apoio domiciliário. Noutros casos, estão ainda integrados nos Movimentos Seniores existentes no concelho. “Se houver trabalho em manter uma rede de amigos e familiares as pessoas dificilmente ficam sozinhas. E se tiveram cuidado, com boa qualidade de vida, boa alimentação, agora têm mais saúde e vivem melhor a sua velhice”, defende Cristina Moreira.
Amélia Cardoso: as saudades da escola de uma tripeira que fez de Lousada a sua casa
E parece ser esse o caso de três das seniores visitadas na semana passada. Estão entre os 93 e os 96 anos, viveram vidas de trabalho e alguma dificuldade, criaram filhos, tiveram netos, e vivem agora rodeadas de apoio familiar.
Se andou na escola básica de Cristelos e tem mais de 40 anos é possível que se lembre da “Amelinha das escolas”. E se costuma perguntar-se onde estará essa auxiliar que lhe puxou as orelhas por uma partida que fez na hora do recreio ou se que o ajudou quando esfolou o joelho e não parava de chorar, saiba que está bem de saúde e que, provavelmente, ainda se lembra de si.
É que a memória ainda não trai Amélia Cardoso de 96 anos. E é da escola, onde trabalhou quase 30 anos, que esta sénior guarda mais saudades.
À pergunta “onde nasceu?”, responde prontamente com um “sou tripeira com muito gosto!” e “sou doente pelo Futebol Clube do Porto”, seguidos de um sorriso. Nasceu a 13 de Março de 1920 e foi no Porto que viveu com os pais até aos sete anos, altura em que a mãe faleceu. Depois acabou por vir morar com os padrinhos, na Quinta das Pocinhas, em Lousada. Casou em Cristelos, mas o marido morreu cedo e acabou por ter que criar sozinha a única filha. É com ela que mora, em Cristelos. Não é herança de família, mas Maria Teresa Coelho seguiu as pisadas da mãe, e hoje é também auxiliar numa escola do concelho.
Só algumas dificuldades de locomoção têm mantido Amélia Cardoso mais presa dentro de casa. Gasta os dias a ler e a ver televisão, ou na companhia da filha e das duas netas.
Reformou-se aos 62 anos. Não diz que se arrependeu. Mas não esconde as saudades do tempo dos recreios e de uma escola onde, no princípio, ainda meninos e meninas não partilhavam salas de aulas. “Só tinha medo que viessem para o muro perto da rua”, recorda. “Chorei muito quando saí, eram todos meus amigos”, confidencia.
Maria Marques Barbosa tem 93 anos e já sonha com o aniversário dos 94
Maria Marques Barbosa tem 93 anos, mas já está a pensar nos 94 que fará em Maio do próximo ano. Se, por acaso, passarem em Boim e a quiserem visitar, levem-lhe flores, que ela gosta bastante. Na jarra em cima da mesa tem flores, bonitas por sinal. Pediu à filha que lhas trouxesse. “Queria uma branca para pôr ali no meio”, comenta.
Tem cinco filhos, 12 netos e 3 bisnetos. São tantos que já é preciso ajudá-la a contá-los pelos dedos. Vive na casa onde nasceu, acompanhada por um filho com deficiência de 66 anos. É a filha com nome de flor (Rosa) que toma conta deles. É com ela e com o marido que almoça todos os domingos, depois de ir à missa, uma das poucas coisas que ainda a faz sair de casa. É também a religião que a acompanha nos outros dias, em programas de televisão e em revistas da área.
Os pais eram lavradores e recorda uma vida dura, mas também alegre: “cantava-se nos campos”, lembra Maria, que andou na escola em Lousada e, em tempos, aprendeu a costurar com uma mestra.
Despede-se com um sorriso de quem gostava que a visita durasse mais tempo e com um “gostei muito. Vai-se estando enquanto Deus quiser”.
“A gente não pode meter-se na cama”. Maria do Carmo Ribeiro prefere antes dar um passeio
Mais ao lado, na Ordem, é Maria do Carmo Ribeiro que aguarda a visita da vereadora da Acção Social e do presidente da Junta da União de Freguesias de Boim, Cristelos e Ordem, Eduardo Vilar.
Também tem 93 anos e uma família com números generosos, onde se contam cinco filhos, sete netos e três bisnetos. Foi criada de servir durante muitos anos. “Era o trabalho que havia”, conta. Depois de casar, passou a cuidar dos filhos e da lida da casa. “Ia muitas vezes com um açafate à cabeça e com a filha no colo levar o almoço ao marido e depois aos filhos. Ia contente”, recorda a sénior.
Numa conversa de largos minutos, em que não se cansa de perguntar a todos se querem chá e bolachas, fala-se de algumas histórias do passado e compara-se o que era antes e o que é agora de diferente na vida das mulheres.
Vive com a filha. E ainda tenta sempre ajudar na lida da casa. Gosta de varrer até à rua. Também dá passeios no pátio e acompanha, muitas vezes, a filha aos tratamentos de fisioterapia. No final do dia, mantém o ritual sagrado de ouvir o terço. “A gente não pode meter-se na cama”, sentencia Maria do Carmo Ribeiro, do alto da sabedoria que a idade lhe trouxe.
É a solidão que mata os idosos. Autarquia trabalha em rede e aposta na prevenção
E é precisamente essa ideia que a autarquia procura combater com as actividades destinadas aos idosos, numa tentativa de que envelheçam de forma mais activa.
Numa altura em que muitas pessoas vivem para além dos cem anos, há muito trabalho a fazer para que esses anos sejam vividos com qualidade de vida, acredita a vereadora da Acção Social. “Fazemos muito trabalho de prevenção em conjunto com a GNR, os Movimentos Sénior, os padres, que estão constantemente a fazer sinalizações de casos que precisam de apoio. “É uma rede que funciona todos os dias, durante todo o ano. Isso evita questões de isolamento, pobreza, necessidades de saúde, violência contra idosos”, sustenta a autarca.
Ainda assim, em Outubro, tenta lembrar as pessoas do papel do idoso na sociedade e fazê-las perceber que todos somos potenciais idosos. “A solidão é neste momento aquilo que mais mata os idosos, foi uma das conclusões do nosso seminário. E muitas pessoas ficam isoladas por opção. Os relacionamentos têm que ser estimulados durante toda a vida, não só com os filhos e os amigos da sua faixa etária, mas também com os netos e bisnetos. Vai sempre haver alguém que deite a mão, se pelo caminho tivermos ajudado os outros”, defende Cristina Moreira.
“O que a Câmara quer com todas as actividades para seniores é provar que não há tempo para velhos nem para novos. Todas as instituições devem integrar os seus seniores no seu plano de actividades”, acrescenta.