É talvez uma hipérbole aquilo que acabo de referir, mas confesso que não me detive a pensar nisso. É talvez fruto da convulsão que me vai na alma, da miscelânea de sentimentos ainda por organizar, gerados pelas notícias dos últimos dias sobre as mortes nos lares de idosos. Não são sentimentos novos, mas apanharam-me num período de menor robustez psicológica. Feita a justificação, continuo a arriscar a hipérbole, ainda que sirva apenas de recurso retórico para prender a atenção do leitor.
Nunca aceitei bem a ideia de viver num lar de idosos. Perturba-me a ideia de olhar à volta e ouvir o silêncio, ver a morbidez dos dias, o definhar das horas…Tento convencer-me de que a realidade pode não ser bem assim, talvez numa tentativa de aceitar o meu próprio destino. Tenho, no entanto, sido desenganada pelas notícias. A realidade é assim demasiadas vezes. Tantas vezes que passou a ser a norma.
Morrer num lar na solidão, desenraizado, por vezes, do agregado familiar, longe daqueles a quem abraçamos e beijamos como se não houvesse amanhã, deve ser muito duro! Mas não ter acesso a cuidados básicos, à medicação e morrer abandonado não é só duro! É desumano e viola a Constituição da República Portuguesa!
Basta abrir o documento maior que regula a vida do país para perceber como se violam, à vista de todos, os direitos fundamentais dos cidadãos. O ponto um do artigo 72.º é claro ao afirmar que “As pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social.” Isto seria o bastante para condenar algumas das situações que temos visto nas últimas semanas. Mas eu julgo que o que aconteceu é mais grave ainda, porque pode ter posto em causa o “Direito à integridade pessoal”, tal como consta no artigo 25.º.
Não aceito a complacência com que a sociedade tem olhado para estes casos. Ouvem-se algumas vozes, é certo, mas não vejo a indignação em massa, um direito que usamos cada vez menos, porque somos demasiado tolerantes.
Como cidadã, exijo que o poder político olhe para os idosos com olhos de quem quer ver. Esta é uma reivindicação que todos devemos fazer.
Como cidadã, quero também ver o poder judicial a olhar para os prevaricadores e a puni-los.
Como ser humano, espero que todos tenhamos a capacidade de parar, deixar o ritmo frenético do dia a dia e pensar. É esta a resposta que temos para a humanidade? Andamos à procura de uma vacina para salvar a pele e deixamo-nos morrer assim? Infelizmente, parece-me que estamos a habituar-nos aos paradoxos.