Uma voz meiga e um olhar doce e apaixonado pelo que faz. É assim que se mostra Beatriz Vinha, uma jovem de 26 anos, natural de Penafiel, que é uma referência nacional e internacional ao nível do estudo do oceano, mais concretamente, do mar profundo. Nasceu e cresceu rodeada de montes, vales e rios, mas o seus sonhos atravessaram as paisagens da sua infância e fixaram-se no mar. Trocou o verde pelo azul, porque sem o segundo, o primeiro fica comprometido.
“Quando decidi estudar Biologia Marinha na Universidade do Algarve não tive um professor que me apoiasse. Todos diziam que devia ir para Medicina”
Estudou na Escola Secundária de Penafiel e era uma excelente aluna. Os professores vaticinavam-lhe um futuro, quem sabe, na área da Medicina. Sim, porque com aqueles resultados académicos parece que não poderia ser outra coisa. Mas Beatriz Vinha estava determinada em correr atrás do seu sonho, estudar biologia marinha. Lamenta que, “quando era miúda não tivesse nenhum professor que a apoiasse”. O que “foi frustrante”, confessou.
O mesmo pensamento não tiveram os pais que, com ela, remaram contra a maré e apoiaram a sua decisão de se candidatar ao curso que sempre desejou na Universidade do Algarve, a mais de 600 quilómetros de casa. Licenciou-se numa faculdade “que é uma referência no país e na Europa” no que diz respeito à sua área, fez questão de sublinhar. E enquanto esteve em Faro estudou, fez parte da Associação de Estudantes, fez mergulho e muitos amigos que, tal como ela, eram apaixonados pelo mar.
Acabado o curso, fez mestrado internacional em Biodiversidade e Conservação Marinha, pelo Erasmus Mundus, um consórcio entre várias universidades europeias, incluindo a de Sorbonne, em França, a Universidade de Ghent, na Bélgica, e a Universidade do Algarve.
Depois, concluiu a tese de mestrado, no IFREMER, uma instituição oceanográfica em Toulon, França, centrada no estado ambiental dos corais de água fria do canhão de Cassidaigne, no Mar Mediterrâneo. Conseguiu reconhecimento do melhor trabalho a nível internacional ao vencer o EMBC+ Best Thesis Award, um prémio que distingue as melhores dissertações de mestrado. E, nos dois anos seguintes, conseguiu uma bolsa de investigação científica no Centro de Ciências do Mar, em Faro, no Algarve.
E chegamos aos corais e às esponjas, as suas paixões e alvo do seu estudo. “As pessoas sabem o que é uma baleia, mas desconhecem o que é um coral, nem sabem que é um animal”. Ora, “o fundo do mar é mais desconhecido que o solo lunar”, uma situação que lamenta, mas, e com o seu trabalho quer contribuir para contrariar esta circunstância. Apesar de reconhecer que financiar um trabalho como este “é muito caro, mas é uma questão de prioridade”. Porque um melhor conhecimento dos fundos marinhos permitiria, por exemplo, saber mais sobre os recursos disponíveis a explorar ou a preservar. Também possibilitavam saber a origem dos deslizamentos de terreno submarinos e das ondas provocadas por tsunamis e furacões, entre outras coisas.
E assim temos “apenas 20% do oceano mapeado”, sendo que o objectivo até 2030 é chegar pelo menos, “aos 80%”, referiu ao Verdadeiro Olhar. Mas este estudo tem subjacente um “grande esforço ao nível tecnológico, humano e financeiro, implicando um empenho de todo o mundo”. Aliás, recentemente foram avançados números para conseguir este objectivo: será preciso investir cinco bilhões de dólares, cerca de 625 milhões por ano, na próxima década.
Apesar de reconhecer que, por outro lado, a ciência evolui “muito devagar”, a verdade é que “têm sido dados grandes passos”, congratulou-se. E Beatriz Vinha é a prova disso.
“Sou produto das oportunidades que a nossa escola pública nos dá e também da União Europeia”
Sobre este seu percurso, a cientista de Penafiel limita-se a dizer que é “produto das oportunidades que nos dá a escola pública em Portugal e também a União Europeia”. A isto, somamos “empenho, dedicação e paixão” que fazem com que esta jovem, que fala cinco línguas, tenha chegado tão longe. Como lema de vida persegue o “nunca desistir”. E nunca desistiu, mesmo! Nos último anos, em que tem andado por outros países, reconheceu que tem tido “coragem para caminhar sozinha”. Mas nunca desanimou, pelo contrário, porque desde cedo percebeu que “no mundo existiam muitas pessoas”, assim, como ela, “a fazerem algo semelhante, a lutarem pelos seus sonhos” e a contribuírem para um planeta mais sustentável.
Do palmares de conquistas, há que dizer que a jovem de Penafiel foi a bióloga e coordenadora científica de uma empresa de whawatching, em Tenerife, nas Ilhas Canárias.
É ainda co-fundadora do ‘Ocean Hub Portugal- 2020’, um grupo criado em plena pandemia, composto por uma equipa multidisciplinar de jovens líderes que pretendem criar uma nova cultura do oceano e que pretende apontar direcções para se criar um futuro sustentável, em Portugal. Por isso, é uma organização que quer ser inspiradora, mostrando os caminhos para a conservação do oceanos, capacitá-los ao facilitar o acesso à educação ambiental e conectá-los à comunidade Sustainable Ocean Alliance que lhes dá ferramentas para liderarem a preservação e sustentabilidade dos nossos oceanos.
Actualmente, está a fazer doutoramento na Universidade de Salento, em Lecce, Itália, com uma tese sobre a distribuição e ecologia funcional das comunidades de megafauna bentônica, como corais de água fria e esponjas, do Oceano Profundo de África Ocidental.
“Se quisesse juntar todos os amigos para um jantar não conseguia, porque eles são de vários pontos do mundo”
Beatriz Vinha vive em Itália, mas tem viajado pelo mundo. Dentro em breve prepara-se para ir ao Brasil e ao Canadá para participar em eventos científicos. Apesar de viver a maior parte do tempo fora do país, reconheceu, ao Verdadeiro Olhar, que gosta de voltar. É bom regressar a Penafiel “para estar com a família, com os amigos e para descansar”. Agora, por exemplo, está em casa de férias. “Faz-me bem sair da minha bolha e regressar ao meu espaço de conforto”. Apesar de estar longe de Portugal, diz que não se sente só. Porque uma das particularidades de ter uma vida assim, é que conhece pessoas “de todo o mundo”. E se quisesse juntar todos os amigos para um jantar, por exemplo, “não conseguiria, porque eles são de vários pontos do mundo”, disse, a sorrir.
“Não podemos esquecer que sem oceanos não há vida”
Beatriz Vinha sabe que se dedica a uma área que é fulcral para a compreensão do planeta, do ambiente e que a resolução de muitos problemas que afectam o mundo e que passa pelo conhecimento dos oceanos. Não nos podemos esquecer que, mais de três bilhões de pessoas dependem da biodiversidade marinha e costeira para a sua subsistência. E “sem oceanos não há vida”, frisou.
Urge assim, “limitar o consumo e produção de plástico”, porque há recifes de coral doentes, ecossistemas costeiros transformados em zonas mortas e nutrientes e mares sufocados por resíduos plásticos. Também é necessário “gerir as pescas de forma mais sustentada e regular o arrastão, a pesca mais destrutiva que existe, assim como reduzir o consumo de carne”. Passos que, segundo a cientista, vão contribuir para a “protecção do oceano” e, logo, para a salvaguarda “do clima, do meio ambiente e do planeta”.
Beatriz Vinha, que ao nível de percurso académico gostava de fazer pós-doutoramento, tem ainda muitos sonhos. Um deles passa por mergulhar num submersível ou num robot até ao mar profundo.
E se há um lugar no planeta que é pouco conhecido pelo ser humano, este lugar é, sem dúvida, o mar profundo, região oceânica que começa a cerca de 200 metros e chega até quase aos 11000. E é a essa profundidade que esta jovem cientista de Penafiel sonha, um dia, chegar. Ali, a escuridão é total, mas a “diversidade de vida é gigantesca”. Aliás, estima-se que o número de espécies ainda desconhecidas ultrapasse um milhão. Mas enquanto não concretiza este sonho, Beatriz Vinha vai continuar a contribuir para derrotar o paradigma de o ser humano conhecer melhor a superfície lunar do que o fundo do mar.