“Aparece hoje ‘O Gaiato’ e regressa no terceiro domingo do mês, à mesma hora, e assim por diante, todos os 1.ºs e 3.ºs até ao fim do mundo. Em Coimbra, é vendido nas ruas pelos Gaiatos de Miranda, que já os temos maduros. No Porto, assim será, com os de Paço de Sousa, mas por enquanto estão verdes. Em Lisboa, é o próprio Ardina da ‘Casa do Ardina’ quem vende e guarda a comissão para fundo da Obra deles. Assina e manda assinantes e que cada um diga com quanto deseja subscrever. Sê revolucionário… pacifico. Se Salazar diz que a revolução tem de continuar, enquanto houver uma casa sem pão, – que dizer dela, enquanto houver uma ‘creança’ [criança] sem casa! E há mundos delas”.
Assim se lia o anúncio do Padre Américo Monteiro de Aguiar, fundador da Obra da Rua e do jornal “O Gaiato”, na capa da primeira edição da publicação, a 5 de Março de 1944.
O estatuto editorial explica que o jornal nasceu “da fome e sede de Justiça que consumiu o seu fundador – paixão que ele mitigou, contagiando muitos de idêntica fome e sede”.
O quinzenário da Obra da Rua persiste até hoje e continua a ser editado nos mesmos moldes: não tem publicidade; é usado para passar a mensagem da instituição e os jornalistas são os “rapazes” e os sacerdotes.
Chegou a ter 50 mil exemplares quinzenalmente, agora tem 20 mil
Criado há 74 anos, o jornal “O Gaiato” nasceu por várias razões, explica Júlio Fernandes, um dos responsáveis pela publicação. “Primeiro porque o Pai Américo precisava de comunicar a Obra que estava a criar. Já tinha feito experiências noutros jornais, em Coimbra e no Porto e os resultados não o satisfaziam. Havia textos cortados e a mensagem que não passava”, refere.
O jornal saiu de forma ininterrupta desde essa altura. E tem cumprido sempre os pressupostos escritos no seu estatuto editorial. “No seu periódico O Gaiato e em outras edições, não peçam nem aceitem propostas de anúncios sobre assuntos do século. Todo o espaço e todo o tempo é pouco para revelar Cristo às almas. Também não aceitem colaboração de estranhos, ainda que homens de saber e de virtude. Dê-se, sim, preferência ao Rapaz, que por isso se educa e revela, fazendo bem às almas dos que lerem. Não sejam solícitos em pôr a preço os jornais ou edições que saem dos nossos prelos. É melhor deixar tudo à generosidade espontânea de cada um”, lê-se.
“O Gaiato” continua a ser quinzenário, mas já não chega às 50 mil edições de outros tempos. “Sai duas vezes por mês e já teve uma tiragem muito superior ao que tem agora, mas mesmo assim estamos nos 20 mil exemplares quinzenalmente, não é mau”, refere Júlio Fernandes. A editora da Casa do Gaiato conta ainda com 18 títulos e 25 volumes, quase todos da autoria do Padre Américo e alguns sobre o seu pensamento e obra.
Era vendido pelos rapazes nas cidades
É sobretudo enviado para assinantes, ao contrário do que acontecia noutros tempos. “No início havia a venda do jornal nas cidades. Cada Casa do Gaiato tinha uma cidade próxima, esta era o Porto, e os rapazes iam vender os jornais nas cidades. Essa prática já terminou há muitos anos. Agora são só assinantes”, em Portugal e na diáspora, conta.
De resto pouco mudou, quer no aspecto quer na informação. “O jornal O Gaiato é talvez o rosto da obra, é ele que vai comunicar o que se faz cá, quer na relação com os rapazes, quer na relação com os pobres. Continua a ser o suporte da própria Obra de Rua. No conteúdo nunca mudou muito, continua a ser aquilo que era no princípio”, garante Júlio Fernandes. Cada rapaz é um jornalista se o quiser ser. Cada padre é outro jornalista.
Na parte gráfica, também foram poucas as mudanças. “O jornal tem características próprias. Desde logo não tem publicidades. Se há alguma coisa que pareça publicidade é referente à obra e às nossas coisas. A outra característica é a paginação do próprio jornal, que é uma coisa que o faz ser reconhecido. Às vezes não se olha para o cabeçalho, olha-se para a colunagem e diz-se isto é o jornal O Gaiato”, dá como exemplo o responsável pelo jornal.
“Creio que os nossos assinantes conseguem ler o jornal quase de olhos fechados”
“Não mudou muito e julgo que durante muito tempo não mudará. Creio que os nossos assinantes conseguem ler o jornal quase de olhos fechados. Eles sabem onde as coisas estão”, acredita.
Chegou a fazer um curso de electricidade de automóveis, mas acabou por regressar àquilo que gosta. A forma de impressão e composição mudou bastante, confessa. Agora é tudo feito informaticamente. “A tipografia foi fundada como escola e saída profissional para os rapazes da Casa. Abrangia todas as áreas, desde a composição ao acabamento. Com o tempo e acompanhando sempre a evolução das coisas, fomos deixando algumas porque também não temos aprendizes. E quando não temos quem aprenda e quando o mestre atinge uma certa idade aquele sector fecha”, lamenta.
As edições impressas d’O Gaiato desde 1944 podem ser consultadas aqui. Também está acessível, no site da Obra de Rua, o acesso uma edição digital do jornal.
Recorde-se que a Casa do Gaiato de Paço de Sousa comemora 75 anos e o Verdadeiro Olhar está a realizar um conjunto de reportagens sobre a instituição.