“Género” em português, segundo o Dicionário de José Pedro Machado[2] e a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, significa espécie ou conjunto de espécies na linguagem usual, podendo significar outras coisas, género masculino e feminino em relação às pessoas, géneros literários, género de personagem no teatro, e em especial na gramática, que em português atribui dois géneros aos substantivos e adjetivos: masculino e feminino. [3]
Em latim, a língua que deu origem ao português, há o significado principal de “origem”, “descendência”, “família” ,“casta”, o “género dos nomes”, o género que abarca muitas espécies, o género literário e até, segundo Cícero os “títulos” do direito civil[4]. No antigo dicionário latino português citado em nota não consta o masculino e feminino aplicado a pessoas. No Dicionário Latino-Português da Porto Editora[5] consta o significado de sexo: genus virile.
O primeiro Livro Sagrado da Bíblia, o Génesis, 1,21 a 1,25 relata a criação de todos os seres vivos, “segundo as suas espécies” ou segundo “o seu género.»[6] , significando claramente a grande diversidade de espécies criadas, não tendo no contexto a palavra ‘género’ significado masculino ou feminino. Apenas em relação ao homem diz o Génesis em 1,27: «Et creavit Deus hominem ad imaginem suam: ad imaginem suam creavit illum, masculum et feminam creavit eos.»[7]
“Ideologia do Género”, segundo me parece e embora a tenha já utilizado, é uma expressão equívoca e que pode dar lugar a confusões. Eu prefiriria, embora não me pareça ter sido já utilizada, a expressão :«Ideologia da indeterminação do sexo.» É uma expressão clara, inequívoca e que tem a grande vantagem de definir exatamente o conteúdo do que tem sido denominado : “ideologia do género” ou do “gender” em inglês. Não passarei a manter a expressão – “ideologia do género”, que embora se tenha tornado usual não só é equívoca, como esconde um erro, tornando esse erro, de imediato, irreconhecível.
E permito-me terminar este assunto com um pequeno texto do livro «Vida Sexual»: «Não nascemos livres.» -nele escreve Egas Moniz- «Aos actos dos nossos ascendentes está preso o nosso destino, a eles estamos ligados por prisões que duram toda a nossa existência. Por fim desaparecemos, mas atrás de nós ficam as nossas qualidades físicas, morais e patológicas. Estas não morrem: têm a duração da espécie.
De entre todos os fenómenos hereditários, o que mais se relaciona com o assunto do presente trabalho e, inegavelmente um dos mais curiosos e interessantes, é o que se refere à transmissão do sexo.»[8]
Creio que nada mais há a dizer sobre o indiscutível facto científico da determinação do sexo desde a fecundação. Além de que hoje temos um conhecimento científico que corrobora tudo o que o nosso Prémio Nobel da Medicina então afirmou, embora quando elaborou a sua tese para o concurso de professor e a publicou no livro citado, impresso em 1911 ainda não tivesse sido descoberto nem o Genoma humano nem os seus genes, entre os quais o gene SRY[9], cuja ausência determina o sexo feminino e presença o masculino. [10]
[1] No “Discurso à Cúria Romana,em 21/12/2012, Bento XVI usa a palavra “gender”. A Congregação para a Educação Católica do Vaticano na orientação «Homem e Mulher os criou.», Vaticano, 2019, usa o mesmo termo “gender”,
[2] Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Amigos do Livro Editores, 1986
[3] Na língua alemã, como no latim, há três géneros: masculino, feminino e neutro.
[4] “Genus, generis” no Magnum Lexicon Latinum , Et Lusitanum de R.P.M.Fr. Emmanuelis Pinii Cabralii, Olyssipone, 1840, Typis Simonis Thadaei Ferreira : “In genera digerere omnes jus civile”, Cícero. (em português : ordenar todo o direito civil em títulos,)
[5] Dicionário Latino Português, Porto Editora, de José Gomes Ferreira.
[6] «E Deus disse também: que a terra produza animais viventes, segundo o seu género, animais domésticos e réptis e bestas da terra segundo as suas espécies……..” Genesis, 1,21 e seg. Na tradução francesa, sob a orientação da Escola Bíblica de Jerusalém, Edition du Cerf, Paris, 1955, aparece apenas a palavra “espécie”.
[7] Em português : «E criou Deus o homem à sua imagem: à sua imagem o criou: e criou-os varão e fêmea.»
[8] Egas Moniz,Vida Sexual,Coimbra, 2011; edição fac-similada, 2019, A Bela e o Monstro, patrocinada pela Ordem dos Médicos, pag . 218
[9] Presente no cromossoma Y
[10] O gene SRY só foi descoberto em 1990 no Imperial Research Fund e no Instituto Pasteur de Paris por Peter Goodfellow e Marc Fellous. Egas Moniz morreu em 13 de Dezembro de 1955.