Foi inaugurada, esta sexta-feira, na Casa da Cultura de Paredes, a exposição “A Memória Jurídica como Fonte Histórica da Evolução em Sociedade” de Águeda Cerqueda, ex-secretária da justiça e actualmente oficial de justiça do Tribunal Judicial de Paredes.
A mostra reúne várias dezenas de objectos, documentos, conta com 30 a 40 processos, livros e objectos que remetem para a história do concelho, a evolução do direito, da sociedade e dos próprios costumes.
O documento mais antigo data do século XVII e o mais recente, do século XX (1959), uma reclamação eleitoral.
Ao Verdadeiro Olhar, Águeda Cerqueda assumiu que esta mostra, que vai estar patente ao público durante cinco semanas, tem como objectivo agregar vontades e sinergias tendo como finalidade última a criação de um museu jurídico da comarca de Paredes.
“Inicialmente a minha ideia era criar um museu. Quando em 2010 fui nomeada secretária de Justiça, uma das suas funções passava por preservar o arquivo, receber e eliminar processos. O arquivo do tribunal de Paredes estava completamente lotado, sem espaço para receber o que quer que seja, nem objectos, nem processos. Muitos documentos perderam-se porque estavam completamente deteriorados outros conseguimos conservar”, disse,salientando que há todo um conjunto de peças que carecem de serem tratadas pelo que a criação de um espaço próprio é de extrema importância.
“Estamos a falar de um património único, de uma autêntica fortuna que carece de um espaço condigno para ser devidamente acomodado e divulgado”
“Sei que a Câmara de Paredes está empenhada em acolher esta proposta até porque a autarquia desconhecia o espólio que estava no Tribunal de Paredes. Sempre pensou tratar-se de alguns documentos”, disse, salientado que há todo um espólio de valor incalculável que carece de ser devidamente tratado, estudado e preservado.
“Estamos a falar de um património único, de uma autêntica fortuna que carece de um espaço condigno para ser devidamente acomodado e divulgado”, declarou, salientando que a sua expectativa é ter, a cruzo, prazo um museu maior do que o do Tribunal da Relação do Porto.
“Estamos a falar de uma das maiores fortunas do concelho de Aguiar de Sousa, porque em 1622 a sede do concelho não era Paredes, era Aguiar de Sousa, cujo limites geográficos se estendiam até Santo Tirso. Trata-se de uma partilha der uma pessoa de Sobrosa, é das maiores fortunas do concelho”, afirmou.
O documento mais recente remonta a 1959 e diz respeito à entrega de uma mulher casada.
“Trata-se de um processo em que a esposa abandona o marido, este mete uma acção a pedir ao juiz que a devolva a mulher. A GNR vai buscá-la, trá-la, entrega-a ao marido e faz-se um auto de entrega que diz que a mulher tem de viver e viajar com o marido, excepto quando este se desloca para as colónias e para o estrangeiro”, afiançou.
A exposição integra, ainda, um documento, uma reclamação eleitoral do início do século XX, 1906, antes da implantação da Primeira República, em que o seu bisavô era foi um dos assinantes. , um dos reclamantes.
“Trata-se de uma peça antes da implantação da I República, à data, já existia votos para para escolher os governos constituintes. Não o deixaram votar apesar dele ter 21 anos, saber ler e escrever e ter uma profissão idónea, que era marceneiro. Não deixaram, ele conseguiu 50 assinaturas e fizeram a primeira reclamação eleitoral do concelho de Paredes”, afirmou.
A oficial de justiça realçou, também, que esta mostra é das mais emblemáticas do país e já foi classificada como tal, uma vez que integra documentos muito antigos e mais bem conservados.
“Trata-se de uma exposição única, com livros de 1700, em que os direitos humanos já estão aí inscritos em francês e temos um outro livro francês que alerta ao bom sendo do povo americano. Há 400 anos, eles estavam a antever o que é que ia acontecer”, referiu, sustentando que a exposição vale pelo seu todo, demorou sete a nos a ser trabalhada e envolveu todo um trabalho de equipa.
“Estamos a falar de um trabalho de equipa, entrega, determinação e muito amor”, frisou, salientando que para limpar o arquivo foram necessários quatro anos, num trabalho que envolveu sete pessoas.
Águeda Cerqueda atalhou, também, que é seu propósito continuar a dar contributos para que os muitos processos e documentos que faltam tratar, cerca de 400, possam receber o tratamento que merecem.
“O trabalho nunca irá estar esgotado, a lei muda, a sociedade muda. Irei continuar porque tenho 300 a 400 processos que tenho de ler, alguns inscritos em latim. É um trabalho aturado que envolve uma equipa multidisciplinar. É fundamental preservar esta cultura ancestral”, avançou.
“A Câmara de Paredes está empenhada em trazer valências para a cidade. Definimos que tínhamos que dar vida à urbe, não podíamos continuar a perder valências, promovendo cultural, desportivamente o concelho assim como de serviços essenciais à comunidade. Por isso assumimos já uma grande parte do terreno para garantir a ampliação do tribunal. Já foram apresentados ao ministério da Justiça esses projectos”, expressou, reafirmando que este espólio não pode ser esquecido.
Sobre o museu jurídico da comarca de Paredes, o autarca ressalvou que as propostas de arquitectura que foram apresentadas ao Ministério da Justiça contemplam já a criação de um museu.
“Será possível dispor de um espaço em que possamos integrar este espolio e permitir que o público possa ter acesso a este património”, atestou.
Armanda Gonçalves, juiz presidente do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, confirmou a disponibilidade para, no âmbito do processo de ampliação do Tribunal de Paredes, seja disponibilizado um espaço que acolhe todo este vasto espólio.
O responsável pela delegação de Paredes da Ordem dos Advogados, Jerónimo Velasco, esclareceu que esta mostra além de preservar a memória, evoca o presente com remissão ao passado, tendo em vista o futuro.
“Estamos perante peças que representam uma autêntica viagem ao passado”, confessou.
A mostra conta com o apoio do Tribunal da Comarca do Porto Este – Núcleo de Paredes e Delegação de Paredes da Ordem dos Advogados e da Câmara Municipal.