Verdadeiro Olhar

O espírito e a letra da lei eleitoral, segundo a CNE

 

 

 

Na semana passada, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) divulgou uma nota informativa que faz uma interpretação literal de uma lei que estabelece que, a partir da publicação do decreto que marque a data de qualquer acto eleitoral, é proibida a publicidade institucional por parte dos órgãos do Estado e da Administração Pública de actos, programas, obras ou serviços, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública. Na prática, do Presidente da República ao Governo, passando pelas Câmaras Municipais, todos ficam proibidos de fazer qualquer tipo de comunicação institucional até ao fim do período eleitoral, que este ano termina em Outubro.

A CNE, escudada numa alegada procura de garantir a igualdade de oportunidades a todos os candidatos a eleições, arranjou um regime de clausura dos serviços de comunicação do Governo e das autarquias. Até terminar este longo período de três eleições, os serviços de comunicação ficam, assim, sem poder trabalhar.

Uma coisa é tentar que o Governo ou as autarquias não usem os meios do Estado para fazer campanha eleitoral e impedir que isso aconteça a um mês das eleições. Outra, bem diferente, é fazer um “apagão” à actividade política dos eleitos.

Esta ridícula interpretação da lei por parte da CNE impossibilita, por exemplo, os autarcas de cumprirem as suas funções junto da população e pode mesmo impedir a imprensa local de divulgar os eventos da região.

Dou-lhe alguns exemplos, para que compreenda falta de noção de realidade que esta lei traz: a Câmara Municipal de Valongo é a única da região que uma vez por ano presta contas à população (quanto gastou, onde, quanto deve, quanto tempo demora a pagar aos fornecedores, etc.). Este ano, não o vai poder fazer.

Mas há mais exemplos: a Câmara de Paredes está a finalizar o negócio da compra do antigo Estádio das Laranjeiras. Quando o fizer, não vai poder anunciar e muito menos informar o que pretende lá construir.  Em Penafiel, o presidente da Câmara não vai poder estar na inauguração da Agrival e muito menos dar nota pública disso, nem tão-pouco anunciar de forma nacional. Em Paços de Ferreira, Humberto Brito não vai poder apresentar o projecto das trotinetes para a cidade, que estava previsto para daqui a alguns dias. Em Lousada, Pedro Machado não vai poder apresentar o Festival das Camélias e muito menos aparecer na televisão a incentivar a visitar o seu concelho.

Na verdade, esta atitude da CNE é um desastroso serviço à democracia que nos deveria fazer pensar, levando-nos a pô-la em causa, nomeadamente por duas razões:

Primeira: pode um organismo do Estado, como é a CNE, estabelecer limites à liberdade de expressão, durante meses a fio, do Primeiro-Ministro ou de um qualquer presidente de câmara?

Segunda: os executivos, sejam eles do Governo ou das autarquias, não podem dizer à população o que fazem nem por que o fazem, mas a oposição pode dizer o que lhe apetece sem que quem governa tenha direito a responder?

Ou o Parlamento intervém neste assunto e corrige a lei, ou mais vale dar férias ao Primeiro-Ministro, ministros, presidentes de Câmara e vereadores até ao final de Outubro.

Uma coisa é impedir abusos, outra bem diferente é impor limites à liberdade de expressão e ao direito à informação.