O penafidelense Alberto S. Santos apresenta, oficialmente, o seu novo romance histórico – Para lá de Bagdad – esta sexta-feira, pelas 21h30, no Museu Municipal de Penafiel.
Em entrevista, o autor e ex-presidente da Câmara Municipal de Penafiel, conta como as histórias nascem de acasos e de como encontrou o mote para esta num rodapé de um livro e fala de como procura fazer os leitores viajar no tempo e levá-los até sítios improváveis. Na sua mente, confessa, há já personagens a pedir para ganhar vida noutras histórias. E, se fosse possível, viveria só da escrita.
Porquê Penafiel para apresentar este quarto livro? “Por uma razão simples: é a minha terra”, respondeu.
Alberto S. Santos é natural de Paço de Sousa e advogado. Exerceu o cargo de presidente da Câmara Municipal de Penafiel durante 12 anos, sendo actualmente, presidente da Assembleia Municipal de Penafiel. É autor dos bestsellers A Escrava de Córdova (2008), A Profecia de Istambul (2010) e O Segredo de Compostela (2013), tendo participado ainda na colectânea de contos lusófonos Roça Língua (2014).
“Antes de permitir que os leitores experimentem a sua própria viagem, procuro eu próprio viajar através do tempo e pousar nos sítios e tempos mais improváveis. Se sentir que a viagem é gratificante, vou então partilhá-la com os leitores”
“Há cinco degraus para se alcançar a sabedoria: calar, ouvir, lembrar, sair, estudar” foi um dos provérbios árabes que escolheu para colocar no início do seu novo livro Para Lá de Bagdad. Costuma seguir este ensinamento?
Na medida do possível, sim. Os provérbios são normalmente máximas de sabedoria, depuradas ao longo do tempo, pelas civilizações que os criaram. No caso do livro Para lá de Bagdad pareceu-me adequado evocar esse provérbio árabe, pois o mesmo sintetiza o percurso narrativo da personagem principal Ahmad ibn Fadlan.
Como é que se deparou com o manuscrito deste embaixador do califa que dá mote à história? Em mais uma das viagens em que se perde entre documentos de outros tempos?
O ponto de partida para uma história pode acontecer através das situações mais fortuitas. No presente caso, soube da existência desse manuscrito antigo numa nota de rodapé de um livro, quando investigava para outra história. Suspendi-a imediatamente e fui à procura do manuscrito árabe do séc. X. A minha intuição estava certa, estava ali o combustível para uma grande história sobre um dos momentos mais enigmáticos e desconhecidos da Idade Média.
Quanto tempo dedicou à investigação para escrever este livro e criar as suas personagens?
Desde que descobri a existência do manuscrito até à edição do livro terão decorrido cerca de três anos.
Há algo no Ahmad ibn Fadlan de Alberto S. Santos?
Por muito que tente, o Alberto S. Santos não consegue evitar totalmente contaminar-se com algumas das personagens que cria. Quem ler o livro e me conhecer talvez perceba os pontos de contacto. Talvez a inquietação pelo conhecimento, a luta pelas causas justas, a sensibilidade para as pequenas coisas. E mais não posso dizer.
De que é que nos fala o livro Para lá de Bagdad?
É um romance cujo eixo narrativo assenta numa viagem de um emissário do Califa de Bagdad, a cidade mais importante do mundo do Séc. X, a uma zona desconhecida do centro e norte do continente euro-asiático. Durante o percurso, o viajante confronta-se com as situações mais enigmáticas e improváveis do mundo “novo” que descobre, assim como com os seus medos e inquietações mais profundas. Ao mesmo tempo, procura perceber e reflectir sobre um momento crucial do mundo islâmico, aquele em que ele começa a desinvestir na importância da ciência e do conhecimento, para se centrar mais em si mesmo, nomeadamente na afirmação da revelação religiosa sobre a ciência.
Em 2010 disse numa entrevista: “Gostaria que um livro fosse a máquina do tempo que ainda não foi inventada, permitindo ao leitor viajar literalmente no tempo e ser um observador direto, presencial, e que, no limite, pudesse vivenciar os factos”. Este novo livro mantém essa postura?
Sim, antes de permitir que os leitores experimentem a sua própria viagem, procuro eu próprio viajar através do tempo e pousar nos sítios e tempos mais improváveis. Se sentir que a viagem é gratificante, vou então partilhá-la com os leitores. Acontece igualmente nas viagens que fazemos nas nossas vidas: sempre que gostamos de visitar uma cidade, uma região, um país, falamos disso aos amigos e aconselhamo-los a fazer o mesmo. Nos livros que lemos, nos filmes que vemos, também acontece. Felizmente, vou tendo reações muitos estimulantes para continuar a contar histórias da mesma forma que as anteriores.
Ouroana, Jaime, Prisciliano e Ahmad. Qual a personagem que lhe deu mais satisfação de criar? Sente saudades de algum deles?
Todas elas tiveram partos tão difíceis como felizes. São como filhos ou amigos que vou conhecendo e se tornam íntimos e imprescindíveis na minha vida. Para eles guardo, tal como se fossem reais, um cantinho especial nas minhas memórias. Não há os preferidos. Apenas procuro que a eles se vão juntando outros, igualmente marcantes.
O sentimento é de alegria ou tristeza quando termina mais uma história?
É compreensivelmente um sentimento dúplice de satisfação, por ter conseguido contar a história que imaginei e de a poder partilhar com os leitores, ao mesmo tempo que uma certa nostalgia, por todo aquele mundo que criei deixar de ser unicamente meu e de saber que a ele não mais voltarei. Tal como quando visitamos um lugar ou um amigo, sabendo, no íntimo, que o fazemos pela última vez.
Os seus livros têm-se focado, recorrentemente, na temática da religião. Porquê? Que mensagem pretende passar?
No fundo, para crentes e não crentes, a religião está sempre presente nas nossas vidas, no nosso quotidiano, no nosso destino humano. Eu procuro compreendê-las, nas suas diferenças e semelhanças, nas razões que as levaram a tornar-se universais e a mudarem a vida dos povos. Por outro lado, e para os crentes, procuro entender e reflectir sobre a razão que leva a que, ao longo da História, tal como hoje, muitos destes invoquem o Deus da Paz para fazerem a guerra, a iniquidade e o sofrimento dos outros.
Uma história nasce de um acaso, de uma improbabilidade. Às vezes, de uma nota de rodapé, de uma visita a um alfarrabista ou uma livraria ou de um monumento de um país estrangeiro.
Já passou por Córdova, Istambul, Compostela e agora Bagdad. Já há território definido para ser o palco do seu próximo livro?
Nunca há território definido à partida. Uma história nasce de um acaso, de uma improbabilidade. Às vezes, de uma nota de rodapé, de uma visita a um alfarrabista ou uma livraria ou de um monumento de um país estrangeiro. Também acontece tudo começar a partir de uma conversa de café com um amigo curioso que nos fala de algo que nos põe a pensar. Como tenho andado a balançar entre a Península Ibérica (primeiro e terceiro livros) e o Oriente (segundo e quarto), espero voltar novamente ao nosso território, no quinto.
Diz-se curioso sobre o mundo que o rodeia e define-se como um apaixonado pelos livros e pela investigação histórica. Vai continuar a escrever romances históricos ou pondera tentar outros estilos?
Já testei outros estilos: tenho um conto publicado numa Colectânea de Contos Lusófonos (Roça Língua) e outros não publicados. No entanto, a haver quinto livro, estará mais próximo do conceito conhecido como ficção ou romance histórico.
Sim, há personagens que já existem na minha mente e pedem para ganhar vida. Neste momento, hesito entre uma história do Sec. X e outra do dobrar do séc. XIX para o XX, ambas mais próximas de nós e da nossa realidade histórica e cultural.
Qual a parte que o satisfaz mais: investigar a história ou escrever a estória?
Em tudo sofro e me realizo. O que importa é que no fim tenha valido a pena: tenha contado uma história sobre algo que me estranhou ou impressionou e que me pareça que vá igualmente despertar o interesse do leitor. Normalmente, são histórias sobre factos, tempos ou locais pouco familiares para o comum dos cidadãos. Por isso, quando começo a idealizar uma história não sei praticamente nada sobre o tema. É a melhor forma de me apaixonar por ela.
Os seus primeiros três livros foram bem recebidos pelos portugueses. Que expectativa tem para este novo livro?
Nunca consigo imaginar as reacções, mas, como este livro está escrito com as mesmas ambiências da escrita dos anteriores, tenho sempre a expectativa de que o livro seja lido por quem me vai seguindo e por novos leitores.
Já afirmou no passado que sempre gostou de escrever, mas que nunca pensou ser escritor. Agora, já se vê como escritor?
Na verdade, não vejo muito. A minha vida é um permanente corrupio de actividades e missões incompatíveis com a escrita. A minha paixão é, um dia, não fazer outra coisa que não seja escrever. Aí sim, talvez me sinta escritor. Por enquanto, vou fazendo exercícios de trapézio para encaixar tempo para a investigação e escrita em todos os momentos, mesmo nos improváveis, como escrever no avião.
Se fosse possível, viveria só da escrita?
Sim, como disse, é esse o meu desejo. Gostava que fosse possível, mas é tudo muito incerto.
É mais fácil dedicar-se à escrita desde que deixou de ser autarca a tempo inteiro?
Não, é igualmente difícil. Deixei a autarquia, mas tenho de trabalhar para viver pois, ao contrário do que alguns pensam, não existe subvenções, benesses ou reformas para quem deixa de ser autarca. Assim, quer na advocacia, para onde voltei em 2013, quer na actual missão empresarial pública, o tempo de sobra é muito escasso.
Porque é que escolheu Penafiel para apresentar este quarto livro?
Por uma razão simples: é a minha terra. Quando era presidente de Câmara não o quis fazer para evitar equívocos sobre a utilização dos espaços públicos. Sempre disse que, quando deixasse as funções, faria a primeira apresentação em Penafiel.