Na era da tecnologia, jovens e seniores de Lousada começaram por trocar cartas, daquelas de antigamente, escritas à mão, com perguntas, histórias e partilhas. Mas hoje, as emoções saíram do papel e deram origem a sorrisos, abraços, beijos no Parque Urbano de Lousada.
“Avós” e “netos”, que nunca se tinham visto, puderam finalmente conhecer-se. A ansiedade era muita e a curiosidade também, assumem.
Que o diga Rosa Vieira, de 68 anos, da Ordem. A ideia era que os pares, compostos de seniores e jovens, se fossem identificando com base num animal, mas a ansiedade de Rosa foi maior. Agarrou num cartaz, feito por uma das netas “a sério” e foi receber os alunos da Escola Secundária de Lustosa. “Onde estão o Lucas e o Patrick?”, foi perguntando. Até que eles a encontraram e os recebeu com dois beijos repenicados. “Estava morta por os conhecer”, confessa. Já tem quatro netos e uma bisneta e só sabe “escrever com erros”, mas aceitou corresponder-se com os dois jovens. Numa das cartas, mandou-lhes umas moedas e, hoje, também lhes foi comprar “qualquer coisinha”, como qualquer avô faz a um neto. Lucas Pinheiro, de 12 anos, e Patrick Silva, de 15, escreveram cartas pela primeira vez. “Foi um bocadinho difícil no início. Tentei perguntar coisas para a conhecer. Estava curioso”, diz Lucas.
O projecto-piloto “BioCarta” está integrado no “BioSénior” e quer aproximar gerações e educar para o ambiente. Conta com 114 participantes, dos movimentos e universidade sénior e da Escola Secundária de Lustosa, que têm partilhado conhecimentos, histórias, perguntas e perspectivas sobre a natureza, o ambiente e as tradições locais.
“Nunca tinha escrito uma carta, escrevo mais mensagens ou telefono”
Há anos de Maria da Glória, de 70 anos, de Lodares, não escrevia uma carta. “Desde solteira”, recorda. Mas quis participar. “Participar nisto é bom. Aprendem os mais velhos e os mais novos”, garante a mulher, que tem três netas e um bisneto. Rodrigo Carneiro, de 12 anos, o “neto” que agora lhe calhou, conta que já falaram, na correspondência trocada, sobre natureza, tradições e sobre as actividades que fazem. “Queremos continuar a trocar cartas”, asseguram.
“Ter esta troca de impressões com esta gente mais nova, com novas ideias, é importante e é enriquecedor para nós e para eles”, defende Marcos Silva, de 65 anos, de Lustosa. “Estamos a encontrar-nos pela primeira vez, mas por acaso conheço a família dele”, diz, em relação a Rodrigo Silva, de 11 anos. “Antigamente escrevíamos para a namorada, era a forma de comunicar, agora não se usa tanto, mas até se torna engraçado. Ele pediu-me para identificar uma folha de carvalho desenhada, numa das cartas, e eu até lhe mandei umas folhinhas de carvalho na resposta”, dá como exemplo o sénior. Para Rodrigo, a experiência também tem sido boa. “Foi complicado começar a escrever, mas depois já era fácil. Nunca tinha escrito uma carta, escrevo mais mensagens ou telefono”, refere o aluno, que até teve direito a um doce do avô “postiço”. “Os meus avós também me dão prendas e são muito meus amigos. É bom ter mais um ‘avô’. Um amigo nunca é demais e ter um amigo mais velho é fixe. Aprendemos com os mais velhos”, acredita Rodrigo.
“Ter esta ‘neta’ tocou-me o coração”
“Encontrei, encontrei a minha avó”, gritava empolgada a pequena Mariana Martins, de 11 anos, quando identificou Maria do Céu, de 85 anos, como a pessoa com quem andava a trocar cartas. “Estava muito ansiosa por a conhecer, tinha gostado de receber as cartas e responder. Agora liga-se e escreve-se por mensagem, já não se escrevem cartas”, conta Mariana. Maria do Céu, que não tem netos, estava visivelmente feliz. “Ter esta ‘neta’ foi uma coisa engraçada e importante. Tocou-me o coração. Ela é tão simpática e conversadora. Também estou animada como ela”, descreve.
O BioCarta nasceu em Dezembro do ano passado, integrado no Programa BioSénior, que faz parte da Estratégia Municipal para a Sustentabilidade e da Academia das Gerações, um dos projectos vencedores das Academias Gulbenkian do Conhecimento de 2020.
Conta já com mais de 100 participantes, sendo a aposta no “contacto inter-geracional” realizado por via da escrita de cartas ao longo do ano lectivo, entre pares correspondentes que, até agora, não se conheciam.
Quer “aproximar e quebrar de barreiras entre gerações”, sustenta Manuel Nunes, vereador da Câmara de Lousada. O autarca destaca que o BioCarta traz, a par da educação ambiental, um encontro de conhecimentos. “Há sorrisos, emoções e um contacto genuíno. Ninguém está de telemóvel na mão, estão a fazer construções, a partilhar histórias ou a falar”, notou. A meta é alargar o projecto a mais participantes no futuro. “Todos os projectos começam por pequenas sementes”, refere, frisando ainda a importância d se estarem a trabalhar também a expressão escrita e a língua portuguesa.