Duas das estátuas voadoras são de Roger Brooke Taney, primeiro uma em Baltimore e, dois dias depois, outra em Annapolis, ambas no Estado de Maryland. Em ambos os casos, a operação decorreu literalmente do dia para a noite. Em Annapolis, capital do Estado, eram precisamente as 2 horas da madrugada de quinta para sexta-feira (18 de Agosto de 2017). Para não perderem tempo a reunir-se, os membros do executivo estadual votaram por correio electrónico, de modo que foi só chamar o guindaste e esperar pela noite, para evitar perturbações da ordem pública.
Será que alguém aprende a lição?
Recordemos quem foi este Roger Brooke Taney, porque é que lhe erigiram estátuas e o que ele fez de mal.
Roger Taney foi um funcionário político e depois um magistrado com prestígio em meados do século XIX. Embora se soubesse que era católico, fez parte do gabinete do Presidente dos EUA, foi Secretário da Guerra e Secretário do Tesouro. Foi o primeiro católico a desempenhar cargos de responsabilidade e, durante muitos anos, o único. Em 1836, bateu um recorde semelhante, como primeiro católico eleito Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça.
Foi nesta função que lhe incumbiu, em 1857, ser o redactor da sentença «Dred Scott», aprovada por 7 dos 9 juízes do Supremo Tribunal. É daqui que vem toda a animosidade contra Roger Taney, ainda que não imediatamente, porque a generalidade dos juristas da época concordava com ele, como se depreende da esmagadora maioria que votou a sentença. Depois da sua morte, Taney teve mais de um século para ser lembrado como ilustre e para lhe erguerem estátuas. Até que passaram 160 anos e as coisas mudaram.
Dred Scott e a mulher eram escravos que reclamavam o direito à liberdade e a sentença do Supremo interpretou a lei em sentido desfavorável. Taney opunha-se pessoalmente à escravatura, que considerava «uma mancha no carácter da América», e no início da carreira tinha libertado todos os seus escravos. Além disso, era pró-unionista, contra os confederados. Contudo, contra a sua convicção pessoal, Roger Taney declarou que a Constituição norte-americana não protegia os negros. O acórdão pergunta-se retoricamente se os negros podem ser cidadãos e responde. «Pensamos que não, porque isso não vem na Constituição e, na altura, a palavra “cidadão” não pretendia incluir os negros. (…) Pelo contrário, na época eles eram considerados subordinados e seres de classe inferior, que tinham sido subjugados pela raça dominante».
Isto foi escrito em meados do século XIX?! É tão parecido com os acórdãos do Tribunal Constitucional de Portugal e de tantos países!
A Constituição defende a absoluta inviolabilidade da vida humana… mas os bebés antes de nascerem não são humanos; …e as pessoas doentes também não; …nem os idosos. A Constituição fala do casamento… mas, se a palavra significar outra coisa, mesmo intrinsecamente estéril? A Constituição fala na liberdade de educação e proíbe o Estado de tomar posição a favor de qualquer doutrina …mas quem duvida que a opinião do Ministério é a única certa?! A Constituição reconhece o direito a conhecer os próprios pais …mas a PMA proíbe que a criança saiba quem é o pai, para ter o direito a saber que tem duas mães. Além disso, entre o conceito de pai e de mãe há tantos géneros…
Durante algum tempo, as ideologias conseguem impor as coisas mais estapafúrdias. Parece que não há limite, com a ajuda de uns juristas de formação positivista, que vão para além do imaginável, incluindo as próprias convicções morais. Até que chega o momento exaltado em que as lindas estátuas voam, do dia para a noite.