Verdadeiro Olhar

Das eleições autárquicas

Está a esgotar-se a nossa vontade de escrever sobre as eleições autárquicas. Não é de hoje nem exclusivo do concelho onde vivemos.

 As razões são mais fundas e cada vez mais se prendem com a decrepidez do sistema. Ao que vemos, ouvimos e lemos, normalmente quando há eleições, surgem sempre os estudiosos da coisa a dizer que a lei eleitoral precisa de uma reforma. Somos, seguramente, o país da europa onde mais se fala da necessidade de reformas e onde elas menos se fazem.

Tomemos por exemplo os órgãos do poder local e, nestes, o executivo municipal. É uma espécie de governo central reduzido à dimensão concelhia. Os executivos municipais resultam da vontade popular expressa pelo voto. Há sempre um partido ou coligação que vence as eleições. Se assim é porque não se aplicam ao poder local as mesmas regras do governo da nação? O partido mais votado nesse concelho formaria o seu executivo de acordo com os resultados eleitorais. O cabeça de lista representaria o partido ou coligação e seria assim escolhido para formar o “governo concelhio” em termos semelhantes ao que acontece a nível nacional. Depois disso, tal como o governo central apresenta o programa e o governo ao parlamento, o “governo local” apresentaria, de igual modo, à Assembleia Municipal que, em termos locais, corresponde ao órgão legislativo nacional. É, por assim dizer, o parlamento local.

O que não se entende é que, por via do método de Hondt, se reúnam no mesmo órgão executivo os vencedores com os vencidos. É o mesmo que escolher um governo onde fosse possível fundir, por exemplo, os princípios colectivistas e marxistas-leninistas do Partido Comunista com individualismo e o demo-liberalismo da Iniciativa Liberal. E entre as questões que se colocam sobressai esta: como se pode aplicar com eficácia um programa escolhido pelos eleitores com representantes de outros programas rejeitados pelos mesmos eleitores? Alguém está a ver um governo liderado por Jerónimo de Sousa tendo como ministro da economia, ou até sem pasta ministerial, o Cotrim de Figueiredo?

Os mais cépticos de um governo local monocolor dirão sempre que é preciso vigiar o cumprimento do programa eleitoral por parte do executivo municipal. Mas, tal como a Assembleia da República está para o governo da nação, as Assembleias Municipais não deviam estar para o poder local?

Então, por que razões os presidentes das juntas de freguesia são membros, por inerência, das Assembleias Municipais? É público e notório – infelizmente, diga-se – que a gestão de uma freguesia está sempre muito condicionada pela vontade do executivo municipal e, neste, pelos caprichos do presidente da câmara. As juntas de freguesia são o parente pobre dos órgãos do poder local. Por vezes necessitam de mendigar aquilo que por direito próprio é seu e, tantas vezes, os presidentes das câmaras ostracizam os presidentes das juntas de freguesia que não foram escolhidos pelo mesmo partido? Quantas vezes, até para fins eleitoralistas, discriminam negativamente esses representantes do povo, eleitos com legitimidade igual à do próprio presidente da câmara?

É por essas e por outras que as Assembleias Municipais deixaram de ser ou nunca foram aquilo para que foram criadas: o órgão deliberativo e fiscalizador da acção do executivo municipal.

Como pode uma Assembleia Municipal ser credível quando a independência dos seus membros não é igual e está hierarquizada entre os eleitos para o órgão e os que a ele acedem por inerência que, aliás, se confunde muitas vezes, com necessidade de obediência ao executivo municipal e, particularmente, ao presidente da câmara?

As Assembleias Municipais, para desempenharem as funções que lhe devem caber, na nossa opinião, têm necessariamente de ver aumentadas as suas competências e delas só devem fazer parte os membros directamente eleitos.

Crie-se um órgão próprio para os presidentes das juntas. Não fica mais caro ao município e reuniria os eleitos com as mesmas necessidades e responsabilidades. Aumentavam a sua capacidade reivindicativa perante o executivo municipal e deixavam margem necessária para a plena funcionalidade da Assembleia Municipal.