Assim, de um dia para o outro, vês-te envolvido num turbilhão de sentimentos que começas a não saber ordenar.
Dás conta de que, nem tu nem nenhum dos teus vizinhos colocou, talvez no elevador, uma simples oferta para ir à farmácia ou ao supermercado em tua vez. Ou tu em vez deles. O bom dia, boa tarde ou boa noite que sempre dizias (ou nem isso?), afinal, era só isso: um hábito sem qualquer significado para além do cumprimento de uma das regras de boa educação. Agora, por força do isolamento a que, obrigatoriamente e bem, todos nos condenamos, já nem a saudação podes fazer. É verdade que, salvo uma ou outra exceção, nem o nome deles sabias. Não devia ser assim.
O correio eletrónico desperta-te imediatamente para a tua realidade. Tens de inventar as melhores maneiras para a prática do ensino à distância. Passas o ano a proibir o uso dos telemóveis aos teus alunos e, agora, vais obrigá-los(?) a servirem-se deles para a partilha de informação.
Um paradoxo com que convives nos últimos anos. As editoras produzem as ferramentas pedagógicas para as novas tecnologias e tu não permites uso dos telemóveis na sala da aula.
O email não para. Um novo problema aparece. Alguns deles não têm acesso a computadores e outros, muito poucos, nem telemóvel têm. Junto, com os colegas e alunos, arranjaremos soluções. Aliás, nós como eles, nem sempre sabemos viver, mas somos muito bons a improvisar.
Ah, faltam ainda as especificidades para os alunos do ensino especial. Ajudemo-nos uns aos outros.
Paras para pensar. Aqueles adolescentes e jovens vivem num sistema a que outros chamam escolaridade obrigatória. Traduzindo: são obrigados a frequentar a escola, pelo menos durante doze anos. O próprio termo “obrigatório” gera resistências compreensíveis aos que a ele se submetem. Antagonismos gerados por um sistema que teima em obrigar em vez de criar a necessidade de saber.
Ages como se um hiato de duas semanas de aulas tivesse algum impacto num percurso escolar de doze anos.
A escola tornou-se num equilibrador à volta do qual toda a sociedade se organiza. Enquanto o paradigma (detesto a palavra) não se inverter a escola será mais isso do que o resto. Enquanto for assim, os nossos jovens nunca deixarão de dizer que gostam muito da escola, mas a escola, para eles, terá sempre um defeito: as aulas.
É tempo de passar da escolaridade obrigatória à escolaridade necessária. Digo-o há anos. A pandemia só reforça o que penso.
Logo a seguir abres as redes socias cuja frequência aumente tão exponencialmente ou mais do que o vírus que se propaga. Utilizamos, há muito, as redes socias. Por razões profissionais em primeiro lugar, por razões sociais depois e, provavelmente, até usamos a web por outras razões menos necessárias ou até por razões desaconselháveis. Não somos perfeitos, ponto.
A “tudologia” escancara-se aos teus olhos.
A confusão aumenta. Ciências são a epidemiologia e a virologia.
Tens de te conseguir concentrar-te mais e melhor.
Talvez tenhas um assomo de lucidez, apesar do que passa pela web: as redes sociais não são comunicação social.
E quem nos fala de saúde pública? sentes que que é disso que precisas.
Olha para o lado e distingue: comentadores e jornalistas não são cientistas.
E precisas agora, sobretudo agora, que as televisões te dêm mais ciência e menos opinião. Há muitos e bons cientistas no país e percebe-se que não andem nas redes sociais. Mas já não te conformas com a insistência e a permanência do “tudólogos” no ecrã.
Que raio! Agora, perante o desconhecimento e o medo, sabendo como tudo isto começou não imaginas como nem quando vai acabar. Ainda acreditas que pode não durar muito tempo, mas cada dia é uma eternidade de dúvidas.
E ficas com a sensação que os políticos são pela reação em vez da antecipação, mas percebes que a culpa não é deles. Pelos menos não é só deles.
Dou comigo a pensar ainda nas diferenças entre viver sozinho ou num organizado núcleo familiar. É tempo da ronda telefónica pelos mais queridos. Há que pensar nos outros para além de nós.
Fico em casa. Façam como eu.