“Vim pôr uma bomba porque tenho diabetes. Não posso comer muitos doces. Isso faz diferença. Fazia picas no dedo. Agora já não vai ser preciso”. A descrição é do pequeno Simão Faria de Sousa, de cinco anos. Tem diabetes tipo 1 e é uma das 150 crianças e jovens seguidas na consulta do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa.
Esta segunda-feira recebeu, com mais duas crianças, um Dispositivo de Perfusão Subcutânea Contínua de Insulina, que é como quem diz uma bomba de insulina que promete facilitar-lhe os tratamentos e reduzir o número de picadas necessárias para controlar os níveis ao longo do dia.
Aos pais coube aprender a colocar e a controlar o dispositivo que esperam que traga maior qualidade de vida aos filhos.
“Foi um choque. Depois é que começamos a perceber como é que isto é”
Chamam-se Inês, Rita e Simão e são crianças normais. Mal acabou o procedimento de colocação da bomba de insulina e do dispositivo que a controla, que guardam numa bolsa junto ao corpo, já corriam e brincavam com carrinhos e bonecas. E já sorriam, ainda que tímidos.
Mas isso não significa que não saibam que têm diabetes tipo 1, a mais comum entre as crianças e jovens. Trata-se de uma doença auto-imune em que o pâncreas não consegue produzir a insulina necessária. É preciso compensar e isso obriga a tomas de insulina obrigatórias.
A pequena Rita, do Marco de Canaveses, foi a primeira a ganhar um dispositivo que promete tornar o seu dia-a-dia mais fácil. Tem seis anos e a família só descobriu em Fevereiro deste ano que tinha diabetes. “Ela bebia muito e ia muitas vezes à casa de banho”, descreve o pai, Agostinho Pereira. Seguiu-se uma consulta no centro de saúde que mostrou logo que “tinha valores muito altos de diabetes, para cima de 900”, conta.
“Foi um choque. Depois é que começamos a perceber como é que isto é. Temos que ter sempre muito cuidado a aplicar a insulina e basta um pequeno erro para ela sofrer com isso”, explica.
Ainda assim, garante, Rita leva uma vida normal e encarou bem a doença. “No Verão, por exemplo, fazem-lhe falta os gelados, mas damos a volta à situação”, refere Agostinho Pereira, que espera que esta bomba de insulina traga mais qualidade de vida à menina.
O seu grande aliado é o filho Eric, de 11 anos. “Ele ajuda muito. Está muito por dentro disto. Vem todos os dias comigo aqui aprender. Quando vou trabalhar a irmã fica com ele e com a avó e com a caneta era ele que fazia as contas com os hidratos de carbono”, dá como exemplo o pai.
“Oh mãe, vou ter que tomar uma pica”
Para Virgínia Faria e Sérgio Sousa, pais do Simão, a descoberta da doença foi ainda mais surpreendente. No caso do menino de cinco anos não havia nada que indicasse o problema. “Descobrimos a diabetes em Setembro do ano passado numa consulta de rotina. Não tinha qualquer sintoma”, diz o casal de Paredes. Uma análise à urina e ao sangue confirmou o diagnóstico, notícia que foi difícil de ouvir. “Não foi nada fácil. Estamos a ultrapassar ainda, um dia de cada vez. No início não foi muito fácil, agora tem sido melhor”, assume a mãe.
Virgínia Faria acredita que esta bomba de insulina vai ajudar sobretudo na hora da refeição, evitando as picadas. “Ultimamente já rejeitava um bocadinho o tratamento e dizia ‘oh mãe, vou ter que tomar uma pica’. Assim já não será todos os dias e não vamos massacrá-lo às refeições”, explica.
A alimentação da família não mudou muito, mas houve sobretudo uma adaptação nos horários. “Ele lida bem com isto, melhor do que o que eu pensava”, afirma.
Já Marisa Soares e Nuno Pereira, do Marco de Canaveses, assumem que a vida “mudou completamente”. “Foi tudo muito rápido. Tivemos que nos adaptar à doença, aprender a contar hidratos de carbono, agora que nos estávamos a habituar vem outra adaptação. E nós ainda nem aceitamos bem a diabetes. Ainda pensamos muitas vezes porquê”, assumem os pais da Inês, de seis anos.
“E nós ainda nem aceitamos bem a diabetes. Ainda pensamos muitas vezes porquê”
A doença da menina foi detectada em Outubro do ano passado e o facto de ter coincidido com a entrada no primeiro ciclo mascarou os sintomas. “Estava calor, tinha ido para a escola nova e brincava muito e também começou a beber muita água e a fazer muito xixi. Achei normal”, lembra a mãe. Mas depois também molhou a cama, algo que não acontecia desde que deixou a fralda, e emagreceu. “Num domingo à tarde bebeu um litro e meio de água em cerca de uma hora. Comecei a achar estranho. A pensar numa infecção. Chegaram a falar-me da possibilidade de diabetes, mas não quis acreditar nisso”, recorda Marisa Soares.
Por isso, só três semanas depois foram à farmácia fazer um teste de despistagem. Seguiu-se a urgência, a confirmação do diagnóstico e um internamento. “Pensei que íamos à urgência e fazia um tratamento. Nunca pensei em internamento. Essa noite foi a pior da minha vida”, confessa.
Se para os pais ainda é difícil aceitar, para a pequena Inês nem por isso. “Ela lidou com isto muito bem. Tem uma grande força. Nunca chorou para picar e nunca diz que dói. Tem sido um exemplo para nós”, garante o pai.
Nuno Pereira assume que não é apologista desta bomba de insulina e ainda está receoso. “Faz-me confusão ela ter que andar com o aparelho, fica uma criança mais sinalizada”, diz.
“Com a bomba as crianças passam de cinco injecções por dia para a introdução do cateter de três em três dias”
“Com a bomba as crianças passam de cinco injecções por dia para a introdução do cateter de três em três dias. Isso melhora a qualidade de vida e permite também um melhor controlo. Enquanto antes dávamos a insulina basal, que dura 24 horas, e depois sempre que comem tinham que fazer insulina rápida, com a bomba podemos alterar o perfil da insulina basal e adaptá-la a cada criança o que melhora em geral o controlo da diabetes e não há tanto risco das hipoglicemias”, sustenta Susana Lira, responsável pela Consulta Multidisciplinar do Diabetes na Criança e Adolescente do CHTS.
Se os pais demonstram medos, por ser um método novo e temerem não saber usar a bomba, as crianças reagem como sempre: adaptam-se. “Mesmo no início do tratamento, em que fazem cinco injecções por dia, não se queixam a fazer a insulina e a picar o dedo, têm uma capacidade de adaptação enorme”, afirma a médica.
Para quebrar medos, os pais passaram esta segunda-feira o dia no Hospital Padre Américo, onde fizeram refeições com os filhos e aprenderam a pôr em prática o que apreenderam nas outras sessões.
O centro hospitalar, que passou a ser, desde Janeiro de 2018, Centro de Tratamento de Dispositivos de Perfusão Subcutânea Contínua de Insulina reconhecido pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), acompanha 150 crianças e jovens com diabetes até aos 18 anos.
No âmbito do Programa Nacional para a Diabetes, o Ministério da Saúde quer que, até ao final de 2019, todas as crianças até aos 18 anos com diabetes tipo 1, inscritas na plataforma da DGS, tenham acesso gratuito a tratamento com estas bombas de insulina.
CHTS recebeu 14 bombas, mas não chegam
Este ano, o CHTS recebeu 14, tendo cinco sido já colocadas. A prioridade é para as crianças mais novas, porque o processo decorre de forma faseada.
“Tivemos que nos habilitar a ser Centro de Tratamento e, para isso, tivemos que adquirir experiência na colocação de bombas de insulina. Tivemos doentes nossos a colocar bombas noutros centros enquanto continuavam a ser seguidos aqui em consulta”, refere Edite Tomás, directora do Serviço de Pediatria e Neonatologia do CHTS.
A colocação de bombas de insulina neste hospital está só agora a começar. “Há cerca de 15 dias colocamos duas, a uma criança de quatro anos e outra de cinco anos, e agora mais três. As prioridades são para menores de 14 anos”, descreve a médica, que aponta este método como “menos invasivo, menos doloroso e muito mais fisiológico, com maior qualidade de vida”.
Carlos Alberto, presidente do Conselho de Administração do CHTS, acredita que será cumprido o programa do Governo que antevê que, até 2019, toda a população pediátrica esteja coberta com esta medida. “Estou convencido que este foi um primeiro passo, com estas 14 bombas, e que seguramente em 2019 isto vai ser recuperado”, adianta. Por outro lado, destaca a vantagem de este centro hospitalar ser agora Centro de Tratamento. “É bom que se trabalhe para facilitar a vida às pessoas. Se não fosse aqui no nosso centro hospitalar estas crianças e famílias tinham que se deslocar para sítios mais distantes da sua área de residência e fazer aí também o acompanhamento”, disse.