Viveram-se momentos de hesitação na Assembleia Municipal de Valongo, realizada esta quinta-feira à noite, no Fórum Cultural de Ermesinde.
Depois de ser aprovado, por unanimidade, em reunião de câmara, o resgate das concessões de fornecimento, instalação e exploração de parcómetros colectivos nas zonas de estacionamento de duração limitada à superfície nas freguesias de Valongo e Ermesinde, o tema seguiu para o órgão deliberativo. Mas a concessionária, a Parque VE, apresentou, ontem, uma providência cautelar que visava a suspensão de eficácia de actos administrativos sobre o resgate.
O presidente da Assembleia Municipal, Abílio Vilas Boas, pôs à consideração dos eleitos a retirada do ponto da ordem de trabalhos. Mas a maioria dos deputados municipais concordou que a deliberação sobre o tema não era ilegal e a votação foi realizada. O resgate voltou a ser aprovado por unanimidade.
José Manuel Ribeiro considerou este um acto de “chantagem” da concessionária.
“A providência cautelar interposta pela Parque VE não impede a apreciação e a deliberação da Assembleia Municipal”
Ainda antes da Assembleia começar, os líderes das bancadas reuniram com o presidente do órgão. Abílio Vilas Boas explicou, depois, o porquê. “Entrou uma providência cautelar de suspensão de eficácia de actos administrativos da Parque VE de forma a impedir a deliberação da Assembleia sobre o resgate da concessão de que é titular a requerente”, disse.
A questão foi então posta à votação e, por maioria de 20 votos a favor, 10 abstenções e um voto contra, foi decidido debater o tema.
“É uma providência cautelar e tenho a noção de que a providência cautelar suspende o acto. Em nada ficaria prejudicado o objectivo de resgate se esperássemos pela decisão do tribunal sobre esta providência, seria de bom senso, daí votar contra a manutenção do ponto, referiu Arnaldo Pinto Soares, presidente de junta de Alfena.
“Consideramos que este ponto deve ser discutido tendo em conta o parecer dado pelo gabinete jurídico que apoia a câmara que diz exactamente de forma muito clara que a providência cautelar interposta pela Parque VE não impede a apreciação e a deliberação da Assembleia Municipal”, referiu Sónia Sousa, justificando o sentido de voto da CDU. Já pelo Bloco de Esquerda, Fernando Monteiro lembrou que a “Assembleia é um órgão iminentemente político e não decide de questões judiciais”. “É politicamente que vamos discutir e votar este ponto e não há nenhuma menção a esta Assembleia por parte do tribunal e de que esta tomada de decisão seja uma ilegalidade”, defendeu.
Pelo PSD, cujos eleitos se abstiveram, Daniel Gonçalves referiu que quiseram ser solidários com o presidente da Assembleia Municipal. “Juridicamente não achamos que haja qualquer problema com a manutenção deste ponto. Aqui não estamos a falar da execução do acto administrativo estamos a falar da deliberação, da criação deste acto”, frisou.
“O PS ‘meteu a raposa dentro do galinheiro’”
Passou-se então ao debate sobre o tema. Com todos os partidos a manterem-se a favor do resgate, mas tecendo várias considerações de carácter político-partidário.
“O Bloco sempre foi contrário a esta decisão”, começou por lembrar Fernando Monteiro. “Na Assembleia Municipal de 15 de Novembro do ano passado, tendo em conta o que vinha acontecendo com a fiscalização, o Bloco de Esquerda referiu que desde que a fiscalização passou para a alçada da empresa concessionária começou uma verdadeira caça à multa que para além de não respeitar a tolerância, como a lei prevê, ainda aplicava coimas antes do tempo terminar”, acrescentou o eleito.
Mas perante os alertas do Bloco de Esquerda, o presidente da Câmara “quase que insinuou que o BE estaria a ser leviano com esta questão, por estarem ‘envolvidos milhões de euros’ o que ia levar a câmara a uma situação complexa”, referiu Fernando Monteiro. A opinião parece ter mudado pouco tempo depois. “Congratulamo-nos que, passado um mês e meio, tenha decidido resgatar a concessão dando razão ao Bloco de Esquerda. Afinal os riscos são quase nulos em termos financeiros”, declarou.
Da mesma forma, a CDU manifestou que sempre foi contra estas concessões que foram “um negócio ruinoso para o município”. “Tomar posição acerca deste assunto é uma tarefa fácil para a CDU. Nada muda no nosso discurso desde que este processo foi iniciado”, sustentou Sónia Sousa. “O mesmo já não se poderá dizer de PS, PSD e CDS. Deve ser para estas três forças políticas bastante difícil e confrangedor. O passado não se pode apagar. Haverá sempre quem se recorde quem foi o pai deste descalabro e quem depois do pai desaparecer assumiu o papel de padrinho”, criticou.
Sónia Sousa acrescentou ainda que ao passar a fiscalização para a empresa, o PS “meteu a raposa dentro do galinheiro”. “Claro que a raposa comeu as galinhas e, em vez de se resolver o problema, criaram-se mais”, argumentou a eleita da CDU.
“Finalmente é a tomada de uma posição que entrega às pessoas o que é delas”
A intervenção de Alexandre Teixeira visou corrigir a comunista. “O CDS nunca esteve no executivo, apoiou o executivo do PSD. Não acho que tenhamos feito mal o nosso papel, mas não foi nossa responsabilidade tomar decisões quanto às concessões”, salientou.
Ivo Neves, presidente da Junta de Freguesia de Valongo, uma das localidades afectadas pelos problemas com as concessões, tomou também a palavra para reforçar que o negócio foi prejudicial para Valongo e Ermesinde. “Finalmente é a tomada de uma posição que entrega às pessoas o que é delas. Está a devolver as cidades às pessoas. Todos nós achamos que este contrato é ruinoso”, afirmou, pedindo a todos unidade em torno de um tema que vai dar luta em termos judiciais.
Nem a bancada do PS nem a do PSD se pronunciaram durante o debate.
Mas o PSD fez uma declaração de voto, posterior, justificando o voto favorável. Hélio Rebelo recordou um processo que começou com o contrato de concessão em 2004, que levou a divergências entre a câmara e empresa concessionária.
Mas nunca, disse o social-democrata, “os munícipes foram tão perseguidos e penalizados como neste último ano”.
“Sabia que os fiscais da empresa não tinham legitimidade para exercer a fiscalização e nada fez para estancar este acto ilegal”
Em 2017, lembrou o eleito do PSD, o PS Valongo resolveu propor um aditamento com quatro alterações: “a reorganização do número de lugares de estacionamento e localização, traduzindo-se num aumento de lugares, nomeadamente em Ermesinde; a passagem de fiscalização para a empresa, com os resultados que todos sabemos; o aumento das receitas municipais, que a câmara recebeu ao longo deste ano e nunca devolveu; e a possibilidade de alteração de alguns lugares para salvaguarda de uma superfície comercial que se ia instalar no centro de Valongo”, resumiu.
O PSD não concordou e, com esta alteração, a Câmara “enganou os milhares de valonguenses que pagaram talões de seis euros à empresa e consequentemente 7% à Câmara Municipal, que nunca devolveu”, acrescentou Hélio Rebelo. “Sabia que os fiscais da empresa não tinham legitimidade para exercer a fiscalização e nada fez para estancar este acto ilegal”, acusou ainda.
“Não foi o PS Valongo que trouxe a concessão para o concelho, não é o PS Valongo que vai acabar com o estacionamento pago no concelho, mas será o PS Valongo o grande responsável se, num futuro próximo, o município tiver que pagar uma avultada indemnização à concessionária”, considerou o social-democrata.
“Decidimos avançar com o processo de resgate, sabendo que há um caminho que vai conduzir a Câmara a uma disputa judicial para avaliar se há ou não lugar a indemnização”
“Quando fomos eleitos encontramos os quatro contratos com esta empresa e um problema grave. Um processo pesado em tribunal contra a Câmara. E um problema com estas duas concessões”, recordou.
O autarca diz que o processo passou por tentar chegar a um entendimento, que não foi o ideal para nenhuma das partes, referindo-se ao último aditamento realizado, que devolveu à empresa, entre outros, a capacidade de fiscalização dos pagamentos.
“Entretanto ficou claro para o executivo que estas concessões não permitem fazer mudança nas cidades. Se quiser alargar um passeio e for para cima de um lugar de estacionamento não posso”, deu como exemplo.
Disse então ter pedido aos serviços a realização de um estudo económico-financeiro e a avaliação das questões jurídicas para avançar com o resgate. “Verificamos que aplicando as fórmulas nos contratos isto não terá consequências financeiras para o município, a fórmula dá negativa. Decidimos avançar com o processo de resgate, sabendo que há um caminho que vai conduzir a Câmara a uma disputa judicial para avaliar se há ou não lugar a indemnização”, reconheceu.
José Manuel Ribeiro afirmou ainda que só em Dezembro é que o município foi informado que a empresa não tinha conseguido a equiparação dos funcionários a agentes da autoridade administrativa, o que também precipitou o pedido de resgate.
Decorridos os prazos legais, que apontam para seis meses depois desta decisão da Assembleia Municipal, a Câmara quer assumir a gestão dos parquímetros. “Não está em causa acabar com os parquímetros, está em causa ser a câmara a assumir esta gestão”, sublinhou, lembrando as promessas já feitas de que será criado um cartão para comerciantes e baixado o valor cobrado.
“A empresa tem mesmo que sair da rua, não pode continuar a usurpar funções”
Esta é “uma decisão política, corajosa, complexa, com implicações, difícil, mas que tem mérito”, defendeu o presidente da Câmara Municipal de Valongo. “Depois de hoje são seis meses para se efectivar a decisão e a empresa tem que se retirar”, salientou.
Para “proteger os cidadãos”, a Assembleia Municipal votou ainda, por maioria, com oito abstenções do PSD, a suspensão provisória dos efeitos do artigo 44.º, nº 1, do Regulamento Municipal de Trânsito e de Estacionamento de Duração Limitada, que visa impedir a empresa de continuar a fiscalizar os talões de pagamento. “A empresa tem mesmo que sair da rua, não pode continuar a usurpar funções”, garantiu José Manuel Ribeiro, recordando que já foi feita uma denúncia da PSP ao Ministério Público nesse sentido.
“Neste momento a empresa está a usurpar funções. Isto visa retirar qualquer hipótese de os funcionários da empresa se manterem no terreno”, argumentou ainda.
O autarca criticou também o comportamento agressivo da empresa. “Um acto político de resgatar estar sujeito a este tipo de chantagem? As providências são manobras de chantagem”, acusou.
O Verdadeiro Olhar tentou ouvir a Parque VE, mas sem sucesso.