Usa a música para se expressar, desde pequena, e considera a voz como o principal instrumento, embora tenha outros, como a guitarra, o piano e alguma percussão. Começou a trautear ao som do gira-discos da mãe, passou para uma banda com os irmãos e, mais tarde, quando isso já não chegava, formou-se na área musical e fundou os Origo Ensemble. Agora, Sónia André, residente em Recarei, Paredes, que é música e professora de canto, vai lançar o primeiro single original a solo, no próximo mês. Chama-se “Origami” e “reflecte a capacidade de adaptação do ser humano perante os desafios da vida”.
Este é mais um passo para a cantora (canto-autora, compositora) estabelecer uma carreira na música. Quer lançar um álbum no Outono.
“Quando éramos pequeninos o gira-discos estava sempre ligado e a tocar”
Tem 38 anos e considera-se de Paredes, apesar de ser natural de Valongo. “Os meus pais mudaram-se para aqui quando eu tinha dois anos e passei toda a minha infância aqui”, explica, referindo-se à freguesia de Recarei, onde reside.
Ali, no meio do “verde”, cresceu a fazer passeios, piqueniques e a inventar brincadeiras ao ar livre. “Não tinha praticamente vizinhos, por isso passava o meu tempo com os meus irmãos e a minha mãe que sabia sempre como nos divertir e passarmos um bom bocado”, conta Sónia André.
Vem de uma família onde ninguém tem formação musical, mas onde todos são “apaixonados” pela arte. Pelo que, desde cedo, a música fez parte da sua vida. “O meu pai tocava órgão na igreja e canta muito bem, mas não tem nenhuma formação. Tenho um tio da parte da minha mãe que pertenceu a uma banda e fazia digressões pelas festas e romarias. A minha mãe conta que o meu tio Eduardo me levava para os ensaios ainda bebé”, recorda a cantora, que além de dois irmãos sempre viveu em família alargada, com tios e primos.
Ainda assim, diz que quem mais a inspirou foi mesmo a mãe e a colecção de discos que detinha. “Quando éramos pequeninos o gira-discos estava sempre ligado e a tocar. Acho que foi dos primeiros equipamentos que aprendi a operar. Estávamos sempre a ouvir música e de todos os estilos. Tenho memórias incríveis de estarmos (eu e os meus irmãos) a dançar com cheirinho a bolo a sair do forno. Tentávamos cantar algumas músicas em inglês mesmo sem saber a língua, às vezes ainda brincamos com isso”, relata Sónia André.
Aos 10 anos, foi estudar guitarra numa escola de música do concelho e, mais tarde, teve também aulas privadas de guitarra eléctrica. Isso incentivou-lhe o gosto pela música e pelo canto.
Nessa altura, na juventude, ela e os irmãos eram “a banda das festas da escola”. “O meu irmão na bateria, a minha irmã no teclado e baixo e eu na guitarra e voz. Lembro-me que os meus pais fizeram um esforço enorme para nos dar os instrumentos e pagar as aulas, mas era uma alegria. Tocamos as músicas que gostávamos e passávamos as tardes a ensaiar, levamos a coisa a sério”, recorda a paredense de coração.
Sónia ainda chegou a participar em castings de concursos televisivos, mas, sobretudo pela “inexperiência e timidez”, nunca passou para entrar nos programas.
Foi então que decidiu que devia formar-se na área. Seguiu-se a Escola de Jazz do Porto onde estudou Canto, Guitarra e Formação Musical. “Este percurso nunca termina, estou sempre a fazer formações e a descobrir como tocar outros instrumentos como por exemplo a Frame Drum (instrumento de percussão) que aprendi de forma autodidacta e incluí na minha versão do ‘Barco Negro’”, explica a residente em Recarei.
“Este novo percurso é um salto no vazio. Percebi que só iria encontrar a minha linguagem se começasse a escrever e deixar de inventar desculpas”
Foi em Paredes que fez o ensino primário e básico. Depois seguiu para Valongo onde completou o ensino secundário. Acabaria fazer uma Licenciatura em Gestão do Património pela Escola Superior de Educação do Porto.
“Cheguei a trabalhar como produtora em duas companhias de teatro onde aprendi muito sobre gestão cultural e organização de eventos culturais. Este conhecimento serve-me muito bem na carreira de música”, garante. Só recentemente se passou a dedicar em exclusivo a esta área, como professora e cantora.
Mas a vida musical já começou em 2011, quando fundou os Origo Ensemble, por se ter “apaixonado pela música antiga (medieval e renascentista) e essencialmente vocal”. “Na altura já dava aulas de canto e logo comecei a procurar vozes entre os meus alunos”, conta.
Estes 10 anos de ligação ao projecto representaram um percurso de aprendizagem. “Talvez o facto de ter começado a compor música e a fazer arranjos para este grupo, fez com que tivesse vontade de aprender mais na área da composição e explorar outras oportunidades como escrever música para teatro”, dá como exemplo Sónia André.
Guarda momentos marcantes, desde logo as primeiras apresentações em grandes eventos, como a Viagem Medieval em Terras de Santa Maria, e o primeiro concerto lá fora, no Wave Gotik Treffen Festival. “E agora que estamos a fazer uma grande digressão pela Rota do Românico, estamos a cantar em locais bem familiares para mim”, refere.
A ideia de uma carreira a solo já lhe bailava nos pensamentos, mas ia sendo adiada com desculpas que agora pôs de parte. “Este novo percurso é um salto no vazio. Percebi que só iria encontrar a minha linguagem se começasse a escrever e deixar de inventar desculpas. Comecei a compor as músicas e só depois de prontas é que consigo falar delas, é uma construção baseada em tudo o que sei, o que sinto e o que gosto”, explica a cantautora.
“Origami é sobre dobragens, as marcas e o resultado de tudo isso”
O primeiro single, lançado no ano passado, foi Barco Negro. “Tinha feito um rascunho deste arranjo em 2018 e ficou na gaveta. Na pandemia decidi que ia começar a escrever novas canções para o meu trabalho a solo, e lembrei-me deste rascunho, voltei a tocá-lo e senti que devia desenvolver isto. Identifiquei-me tanto com o resultado que achei que devia gravar e começar por apresentar esta nova fase da minha vida por aqui”, assume Sónia André.
Apesar de alterado, o tema cantado por Amália Rodrigues foi bem aceite, o que até a surpreendeu. Agora, a 22 de Abril vai lançar um novo single, chamado Origami. “Esta canção reflete a capacidade de adaptação do ser humano perante os desafios da vida. Pensei na arte do Origami, uma folha que apresenta várias faces e marcas, a partir do momento que a começamos a dobrar. Estas marcas que as dobragens deixam em paralelo às marcas que a vida nos deixa são o resultado do que somos. Origami é sobre dobragens, as marcas e o resultado de tudo isso”, explica a autora. Este ano, no Outono, conta lançar o seu primeiro álbum.
Quando questionada sobre o futuro, é categórica: “Sempre fui uma pessoa daquelas que faz imensas projecções futuras. Neste momento, estou numa fase em que valorizo mais o presente e, sem dúvida, o meu presente é escrever canções. Logo podem contar com este álbum pronto no Outono”, garante a paredense.
Diz que “já está onde queria chegar”, que é a fazer música todos os dias. “Seria ainda mais feliz se perceber que essa música pode fazer parte da vida de outras pessoas e tocá-las verdadeiramente”, afirma.
Assume que o seu trabalho ainda não é reconhecido em Paredes. Quando se lhe pergunta o que ainda se pode fazer para estimular a cultura no concelho onde vive deixa algumas ideias: “Para além do investimento na produção cultural, ou seja, apoio a criadores, associações culturais para a produção de criações novas dentro do concelho, é necessário aumentar a oferta cultural acessível a todos, e a promoção da valorização cultural. Já existem melhorias na valorização do desporto, mas no ensino artístico ainda há muito a fazer”.