Se não dói não se vai ao dentista. Parece ser essa a máxima da maioria dos idosos. “Só vou ao dentista quando é preciso, quando dói. Se não dói não vou lá fazer nada”, acredita Alzira Carvalho, de 82 anos, utente do Centro Social Paroquial de Santo Estêvão de Oldrões, em Penafiel.
Esta instituição recebeu, na passada sexta-feira, um projecto inovador de rastreio de saúde oral sénior que está a ser implementado pelo Município de Penafiel e pela Cespu – Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário.
Até Maio, o objectivo é que, sem sair da instituição que frequentam, seja na vertente de lar, centro de dia ou centro de convívio, cerca de mil idosos de Penafiel tenham acesso a um rastreio oral gratuito que, com base num “kit” inovador, faz ainda o diagnóstico de cancro (oral, em particular), com recolha de células, “de forma rápida, não invasiva e indolor”. Depois de identificadas as necessidades dos utentes, numa segunda fase, vão iniciar-se os respectivos tratamentos dentários.
“Se precisar de ir ao dentista eu tenho possibilidade, mas há outros idosos que precisam do dinheiro da consulta para comer”
“Vamos só ver as suas gengivas, está bem?”, diz o médico dentista, professor e investigador da Cespu, Fernando Ferreira, a um dos utentes do Centro Social Paroquial de Santo Estêvão de Oldrões. Tiram-se notas sobre os dentes em falta e avaliam-se possíveis lesões. Ainda é cedo para conclusões, mas, refere o médico, os idosos têm “na maioria dos casos, dentes perdidos que não foram repostos, dentes fracturados ou lesões nas mucosas e língua”. “Muitos deles não vão ao dentista há muito tempo, por questões de mobilidade e dificuldades financeiras. São populações com rendimentos baixos e que consomem muitos deles em medicação. A saúde oral vai ficando para trás”, admite. “Quem tem falta de dentes não consegue mastigar correctamente, o que afecta ainda mais as pessoas idosas”, aponta o médico.
Este rastreio utiliza uma tecnologia nova, desenvolvida pela Cespu, de citologia rápida, que permite um diagnóstico inovador de cancro oral, sendo que além do rastreio, também os possíveis tratamentos serão feitos nas próprias instituições. Estão envolvidos 10 profissionais da Cespu que estão a percorrer as IPSS do concelho.
Manuel Azevedo, de 87 anos, não vai ao dentista desde antes da pandemia. “Já tive muitos problemas nos dentes. Agora tenho menos, porque já tirei os dentes quase todos. Só tenho três de origem”, explica, considerando que é preciso estar atento à saúde oral. “Se precisar de ir ao dentista eu tenho possibilidade, mas há outros idosos que precisam do dinheiro da consulta para comer”, assinala ainda.
“Para quem está reformado, e eu tenho uma reforma pequena, ir ao dentista custa um bocadinho. Corta-se numas coisas para dar para as outras”, conta Teresa Ferreira, que frequenta o centro de dia. Estes rastreios, garante, “são importantes”.
Já Lurdes Oliveira, de 79 anos, diz que não costuma ter problemas dentários, o que faz com que, não vá ao dentista há algum tempo. “Enquanto eles comerem como comem”, brinca. “Faltam alguns dentes, mas não costumo ter dores Não vou ao dentista porque não dói”, resume.
Todos os seniores assumem que ir ao dentista é um peso extra para a “carteira”.
“Estas iniciativas são muito importantes para os nossos utentes. Se não fosse desta forma, muito dificilmente alguns teriam acesso a estes serviços. Nestas idades a saúde oral é um bocadinho descurada e depois tem repercussões”, admite Elisabete Rocha, directora técnica da instituição, onde 56 utentes fizeram o rastreio.
A vereadora com o pelouro Saúde, Daniela Oliveira, destaca a importância deste acompanhamento em “proximidade”. “O idoso não tem de se deslocar. Além do rastreio, também os possíveis tratamentos serão nas instituições” (sempre que possível)”, revela. Este projecto piloto nasce da necessidade identificada nestas populações, havendo mesmo seniores que “nunca foram ao dentista”.
Hoje assinala-se o Dia Mundial da Saúde Oral (20 de Março), data que pretende sensibilizar a população acerca da importância da saúde oral.
Dados do último Eurobarómetro em Saúde Oral, de 2022, indica a Câmara de Penafiel, mostram que cerca de 31,5% dos portugueses nunca visita o médico dentista ou apenas o faz em caso de urgência, sendo algumas das razões invocadas a falta de informação sobre a necessidade de o fazer e as dificuldades financeiras.