Esteve bem Rui Rio ao afirmar o óbvio – está descartada a possibilidade de um entendimento com o Chega, afirmando que “tal não é possível” no atual panorama.[1] Depois, fez uma afirmação que arrisca ser uma banalidade – se aquele partido “evoluir para um plano um pouco mais moderado, então não estou a dizer que se faça, mas é possível conversar”. Esta afirmação carece de grande sentido por dois motivos. Em primeiro lugar, a afirmação é potencialmente aplicável a qualquer partido. Em segundo lugar, se o Chega evoluir para um plano mais moderado, não será o Chega relativamente ao qual a pergunta foi formulada.
Daí ser compreensível que aquelas palavras tenham tido resultados indesejáveis. Desde logo, conduziram a uma falha de comunicação – aquilo que Rio pretendeu transmitir não foi aquilo que foi percecionado. Depois, concordo com a perspetiva de que esta abordagem pode contribuir para uma normalização que o Chega não merece.
Um partido com a história e o lustro democrático do PSD deve, de forma clara, afastar-se daquilo que o Chega representa, pelo menos relativamente a três pontos. Primeiro, quanto à forma. André Ventura caracteriza-se, essencialmente, por um discurso bacoco, de mensagens básicas, assente em emoções e desligado de racionalidade. A típica mensagem de Ventura reduz-se a uma solução simples para um problema complexo. Em política, os problemas complexos são difíceis de percecionar, de transmitir e, ainda mais, de resolver. Quem, reiteradamente, nos tenta convencer que as soluções são simples e fáceis de aplicar, está a tentar enganar-nos.
Segundo, quanto às políticas defendidas pelo partido. É desafiante definir com critério o que defende o partido. Isto porque o programa com que se apresentou ao eleitorado em 2019 foi revisto pouco depois. Também será desafiante tentar compreender se o eleitorado do Chega tinha noção que o partido pretendia extinguir os serviços públicos de educação e saúde, entre outras medidas de conteúdo questionável. Em qualquer caso, uma aproximação ao que será a doutrina do partido pode ser feita apontando ao facto de que o Chega faz parte do grupo Europeu “Identidade e Democracia”, do qual são membros a Frente Nacional (França), a Liga Norte (Itália) e a Alternativa para a Alemanha.
Terceiro, quanto ao discurso. Note-se que o discurso não é só a forma e pode até nem coincidir com o que formalmente o partido defende, daí ser importante autonomizar este ponto. Desde logo, o partido e Ventura caracterizam-se por uma falta notória de coerência.[2] Depois, não nos devemos conformar com um partido que, reiteradamente, defende a violação dos direitos humanos, não valorizando a dignidade da pessoa humana (pilar fundador da nossa República);[3] promove o racismo e a xenofobia;[4] tem um discurso divisivo.[5]
As críticas tecidas ao Chega não me fazem subscrever as posições da extrema-esquerda. Esta padece de alguns dos mesmos males e fomenta outros. Contudo, nem esta circunstância valida a ação do Chega, nem é a possibilidade de entendimento do PSD com a extrema-esquerda que abordo no presente texto.
Rui Rio, e bem, já veio descartar a possibilidade de coligações pré-eleitorais com o Chega para as autárquicas de 2021. Não foi, contudo, afastada a possibilidade de haver entendimentos pós-eleitorais. Aqui fica um caderno de encargos para esta rentrée das estruturas locais do PSD: clarificar, desde já, que será recusado qualquer entendimento pós-eleitoral com o Chega.
[1] Entrevista à RTP3, no dia 29 de julho de 2020.
[2] e.g., Ventura não cumpriu a promessa de renunciar aos restantes cargos no caso de ser eleitos deputado.
[3] e.g., castração química; prisão perpétua; pena de morte.
[4] e.g., visando a comunidade cigana; caso Joacine Katar Moreira; caso Marega.
[5] e.g., ancorando o discurso no tradicional nós vs. eles; insistindo nessa dicotomia, em particular, no tema da segurança.