O Bispo do Porto, D. Manuel Linda, presidiu, este domingo, à apresentação de duas obras tendo como tema de fundo a Obra da Rua da Casa do Gaiato de Paço de Sousa e do Calvário, uma intitulada “Ecos do Pensamento de Padre Américo”, de Luís Leal, e outra designada ‘Padre Baptista – alma, corpo, mãos e coração de O Calvário’, da autoria do Padre António Baptista.
A apresentação decorreu na Casa do Gaiato de Paço de Sousa, num auditório completamente cheio, no âmbito do encontro celebrativo do ‘Venerável Padre (Pai) Américo’, numa altura em que decorre o processo de canonização do Padre Américo e depois do Papa Francisco ter publicado um decreto que reconhece as “virtudes heróicas” do fundador da Obra da Rua.
Manuel Linda realçou a importância tanto do Padre Américo como do pároco António Baptista para a Obra da Rua, pela sua simplicidade e pela forma abnegada como, sem protagonismos nem burocracias, lutaram pela dignificação dos mais desfavorecidos e desprotegidos.
“As suas dimensões são efectivamente extraordinárias, são das figuras mais altas que Portugal teve nos tempos mais recentes. Ambos deixaram-nos a Obra da Rua nas suas três vertentes: o Gaiato, património dos pobres e o Calvário. Muito obrigado, vocês são o nosso melhor cartão-de-visita para apresentar aquilo que é a essência da Igreja, na Igreja do Porto e na Igreja Universal. Há um conjunto de padres que se dedicam de alma e coração aos mais pobres dos pobres. Quero formalizar este agradecimento”, afirmou o Bispo do Porto. “Chegamos porém a uma encruzilhada da história. Os tempos do Padre Américo rigorosamente não são estes e estes não são os tempos do Padre Américo. Sabemos que a sociedade civil mudou, as leis mudaram imensamente e não vai ser por nossa causa que elas se alteram. As exigências boas ou más, na maioria das vezes más, da Segurança Social são aquelas que são e nós somos pequenas presas caçados por animais ferozes que têm muito mais poder. Face a isto como fazer?”, questionou D. Manuel Linda, salientando que há três ângulos que são as três traves mestras da Obra do Padre Américo e do Padre Baptista que jamais poderão ser postos em causa e que são a razão de ser duma novidade quase universal que é esta Obra da Rua.
“Esta obra, como era típico daquela altura, nasceu clerical, de padres. A igreja para o futuro pode ter aqui um conjunto de padres suficientes para as muitas casas que existem em Portugal e no estrangeiro?”
“A primeira é o sentido familiar quase de aldeamento que esta Casa e outros em Portugal e no estrangeiro têm, organizando-se à volta desta estrutura. A própria organização física dos espaços conduz para aí. O regime de sociabilidade é visível. Em segundo lugar, a existência de um pai e de uma mãe, a complementaridade do masculino e do feminino para o bom ambiente e equilíbrio e em terceiro lugar é que todos dão o que podem dar. A coordenação do espaço físico é feita por um deles. Esta é uma novidade absoluta. Este é um património que não podemos perder. É um património de ideias e vivências”, referiu, partilhando algumas inquietações e preocupações quanto ao futuro da Obra da Rua.
“As gerações que vêm a seguir terão a mesma sensibilidade que tem esta geração? Esta obra como era típico daquela altura, nasceu clerical, de padres. A igreja para o futuro pode ter aqui um conjunto de padres suficientes para as muitas casas que existem em Portugal e no estrangeiro? Podemos ter padres à frente delas? São circunstâncias que nos devem levar a um pensamento forte. Para que este património imaterial da humanidade, que o é, para que não desapareça, que precisamos fazer hoje? Preocupa-me e olho para as mangas e não encontro soluções. A solução tem de ser encontrada entre todos nós os que têm uma imensa admiração pela Obra da Rua e a certeza que ela não irá morrer”, acrescentou.
“Era conhecido o sonho e a ambição do Padre Américo de realizar uma biografia que por razões várias ele não conseguiu concretizar e acabou por ser escrita pelos que o conheceram ao longo do tempo. Obviamente que o Padre Elias foi o primeiro a escrever uma biografia do Padre Américo, o Padre Manuel Mendes mais recentemente na Obra da Rua pegou igualmente na biografia do Pai Américo. A quem nunca leu nada sobre o Pai Américo, esta obra ajudará, espero eu, a conhecer o seu mundo, a pessoa, os seus pensamentos. É uma obra que nos acompanha, um livro de cabeceira, que está sempre lá, a que queremos regressar e que devemos ler de olhos fechados”, afirmou.
“O pensamento do Padre Américo, ao contrário de outros autores, não é sistemático. Ele escrevia ao sabor dos problemas e da vida do dia-a-dia”
Falando deste livro, Luís Leal comparou-o a pequenas fotografias (flashs) das memórias dos contribuidores e das pessoas que enviaram pequenos fragmentos, textos, que depois o autor compilou e que estão vertidos na obra.
“São flashs que ficaram na memória dos contribuidores e das pessoas que efectivamente enviaram aqueles textos. É uma fotografia que convida a olhar para os pormenores, mas que convida a olhar para o quadro, uma caixa-de-ressonância que fez eco na vida destas pessoas e para quem o Padre Américo foi e continua a ser uma figura central nas suas vidas”, frisou, sustentando que demorou um ano a realizar este trabalho, editado pela Modo de Ler.
O autor declarou que esta não é a primeira obra sobre a vida e obra do Pai Américo, sendo sendo propósito fazer uma edição crítica da obra do homem que marcou e continua a marcar a Igreja e a sociedade portuguesa. “Já tenho obra publicada. O primeiro livro que publiquei sobre o Padre Américo foi um estudo, um projecto de investigação que desenvolvi na Universidade Católica Portuguesa, com financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian que procurava fazer uma leitura de qual teria sido a influência do Padre Américo no clero seu contemporâneo. Trata-se de uma obra de 2012/13 e está disponível através da Obra da Rua. Recentemente saiu o livro da minha tese de doutoramento “Padre Américo Monteiro de Aguiar um Teólogo na Acção do Portugal Contemporâneo” e que vai ter apresentação pública muito em breve. Existe um sonho e uma exigência que é avançar para uma edição crítica do Padre Américo. Verifiquei neste livro que os colaboradores usaram diferentes edições dos textos, uns citavam o Gaiato, outros os livros, entretanto editados, só que as versões não são coincidentes. Existem muitas alterações provocadas, às vezes, por enganos de cópia, mas outras vezes eram adulterações ao original que estava publicado”, concretizou, sublinhando que é importante avançar aproveitando esta onda positiva em torno do processo de canonização e fazer-se uma edição crítica da obra do Padre Américo que é a forma de forma a permitir que a sua obra seja fixa e esteja disponível para quem a quiser estudar.
Luís Leal manifestou, também, que este reconhecimento universal pela Santa Madre Igreja da sua santidade pode redespertar e ressuscitar a sua obra e importância, recolocando a sua importância na sociedade actual tendo em conta a distância temporal que separa o Padre Américo da sua obra e o evoluir dos tempos que faz com que as pessoas que conheceram o Pai Américo sejam cada vez menos.
“Se fizermos este esforço, não de copiar, como é evidente, porque os tempos do Padre Américo não são os nossos, nem os nossos são os dele. Temos de ter a mesma coragem, ter a mesma inspiração, saber ler os sinais dos tempos e agir em conformidade com o evangelho tal e qual ele fez no seu tempo. teremos de fazer nós hoje, com os nossos problemas, com as nossas circunstâncias, sendo este o ponto de partida para que a obra permaneça. Se houve padre importante no século XX português cuja figura, o pensamento e a obra, o legado foi marcante, foi Padre Américo e seria um atentado à nossa memória como povo e com país que se perdesse esse legado”, confessou, admitindo que a Obra da Rua tem muitos atractivos e por ser atractiva causa incómodos a alguns sectores.
“Mas isso é o papel do cristão. Um cristão que não seja incómoda em certo sentido dificilmente será bom cristão”, avançou.
“O Padre Baptista foi condenado por fazer aquilo que o Estado não sabe nem quer fazer”
Já Artur Santos Silva, ex-secretário de Estado do Tesouro e Vice-Governador do Banco de Portugal e presidiu ao Conselho Geral da Universidade de Coimbra, que fez a apresentação do livro ‘Padre Baptista – alma, corpo, mãos e coração de O Calvário’, que conta também com um testemunho do general António Ramalho Eanes, relevou as qualidades invulgares do Padre António Baptista, o seu trabalho e a forma como se bateu pela Calvário e Casa do Gaiato de Beire, em Paredes.
“O Padre Baptista assumiu o desafio exigente de todos os que nos lançou o Padre Américo. Ao longo ode 60 anos tratou dos doentes incuráveis abandonados pelas suas famílias”, frisou, afirmando que a obra abre com textos do professor da Universidade Católica Henrique Manuel Pereira e do Bispo D. Manuel Linda.
Artur Santos Silva confirmou, ainda, que a obra de Padre Américo desenvolvida na Casa do Calvário pelo Padre Baptista é talvez a obra mais importante realizada em Portugal no século XX e no início do século XXI.
“Esta obra tem sido dirigida por padres. Sabemos que há uma crise de vocações e devemos reflectir sobre a melhor forma de dar continuidade a este projecto que é deverás fundamental, exige contributos e acredito que vão ser encontros os caminhos para que continue nos tempos actuais enquadrada na sociedade actual em prol das crianças e dos mais desfavorecidos”, asseverou ainda.
Além da apresentação dos dois livros realizou-se uma visita ao Museu Padre Américo. Seguiu-se uma missa celebrada pelo Bispo do Porto e um convívio no refeitório.