Já esteve sediada em Lordelo e quer voltar a fazer do concelho de Paredes a sua casa. A caminho dos 14 anos de dedicação ao teatro e à formação, a Astro Fingido – Associação Cultural sustenta os seus espectáculos sobretudo nas histórias e testemunhos da comunidade local, numa “arte comprometida” que procura discutir e interrogar a sociedade e promover o desenvolvimento integrado da população através da arte e da educação pela arte.
Mas ao mesmo tempo, a meta é levar estas memórias mais longe, mostrando que, mesmo as mais locais, podem ser universais. Exemplos disso foram peças como “Mulheres Móveis” e a história das carreteiras ou “Moço da Cola”, dedicada à figura de aprendiz de marceneiro.
Fernando Moreira, que tem as raízes em Lordelo, e Ângela Marques, actores, co-fundadores e directores artísticos do projecto, assumem que querem tornar-se na companhia profissional residente no concelho e desenvolver ainda um trabalho mais eficaz, que passa também por continuar a formar públicos para o teatro e as artes. “Queremos desenvolver um trabalho consistente e com dimensão relevante, de nível nacional”, afirmam, sendo embaixadores e continuando a “projectar as memórias de Paredes”.
“A Astro Fingido foi a melhor coisa que fizemos”
Foi a 27 de Março, Dia Mundial do Teatro, que nasceu, em 2008, a Astro Fingido. Desde essa altura até agora tem desenvolvido um trabalho focado na produção de espectáculos de teatro e na formação, focando-se na criação de novos públicos, entre o Porto e Paredes. Toda a actividade desta associação cultural procura ouvir as comunidades para que a criação artística vá de encontro aos seus interesses, numa dramaturgia que escuta a realidade. Os trabalhos incidem sobretudo sobre as questões sociais, as raízes culturais, a memória imaterial e está, muitas vezes, presente a figura feminina.
“A Astro Fingido foi a melhor coisa que fizemos”, garantem Ângela Marques e Fernando Moreira, que já tinham participado noutros trabalhos associativos de contexto profissional, mas queriam ir mais além.
Ele vem de uma família de Lordelo e é actor profissional desde 1989, encenador, dramaturgo e artista plástico. É doutorando em Educação Artística, tem mestrado em Artes Plásticas [Pintura] e licenciatura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
Ela é de Lisboa, mas cedo se rendeu ao Norte. É actriz profissional também desde 1989 e docente. Doutoranda em Literaturas e Culturas na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas na Universidade Nova de Lisboa, tem mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes e uma licenciatura em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Ambos apaixonados pelo teatro, colaboraram com inúmeras estruturas de relevo, como Teatro do Bolhão, Assédio Teatro, A Turma, A Oficina, Panmixia, Teatro Nacional São João, Teatro Art’Imagem, Teatro Experimental do Porto, Seiva Trupe, Ensemble e Jangada Teatro, entre outros.
Como “é difícil viver exclusivamente do teatro em Portugal”, fizeram e ainda fazem um pouco de tudo, desde a formação à dobragem de desenhos animados, televisão e cinema.
Com a Astro Fingido, “formou-se uma equipa cúmplice para tentar desenvolver a num plano nacional”. “Encontramos convergência e uma facilidade de trabalho que nunca tínhamos tido antes”, garantem. “Existe um pensamento comum, uma postura ética e uma estética coincidente. Qualquer um de nós se sente à vontade para trazer ideias, partilhá-las e desenvolvê-las em conjunto”, completando-se, admitem. “O processo criativo tem de ser partilhado e honesto, nem sempre estamos de acordo, mas argumentamos até chegarmos a um consenso. Isto faz-se com diálogo, não há outra forma”, defendem ainda os co-fundadores desta associação cultural, revelando que está a formar-se uma equipa cada vez mais permanente.
Centenas de jovens em oficinas e formações
A Astro Fingido aposta na produção própria. Ao longo dos últimos anos já terá criado 15 encenações.
Fazem trabalho com o envolvimento da comunidade, que, muitas vezes, participa mesmo nos espectáculos, noutras partilham os testemunhos e as histórias que dão corpo à encenação, como foi o caso da peça “Mulheres Móveis”, que retratou as carreteiras de Lordelo, ou do “Português Voador”, em torno de um ciclista emblemático do concelho, que envolveu actores profissionais e amadores e ainda a Banda de Vilela e estreou em Lordelo. O espectáculo “Moço da Cola” foi dedicado à figura de aprendiz de marceneiro. A “Torre dos Alcoforados”, uma encenação para a Rota do Românico, que também integrou a comunidade local e evidenciou o património local. A “Terra Queimada” reflectiu sobre a realidade dos fogos florestais no concelho, um dos que tem mais ignições no país, e em Portugal. Noutros casos, foram ao encontro do espectador em lugares alternativos, a exemplo do MAPPA21 – Mostra de Música, Artes e Património em Paredes.
Mas, a par da actividade artística, a associação cultural tem desenvolvido um serviço educativo com a realização de oficinas de expressão dramática, pintura, escultura, teatro de sombras e filosofia para crianças, sendo parceira da Câmara Municipal do Porto (desde 2012) e desenvolvendo três anos uma oficina de teatro no Tâmega e Sousa (Amarante, Baião, Cinfães, Lousada e Penafiel), para apoiar o combate ao insucesso escolar. Já chegaram a centenas de crianças e jovens.
Em Lordelo, onde estiveram sediados, numa escola em Parteira, pretendiam criar um centro de artes e ter um grupo amador para desenvolver culturalmente aquele espaço. “Isso continua a ser uma necessidade, mas na altura havia outras prioridades sociais mais prementes para aquela comunidade”, reconhecem.
“Como artista acho que tenho como missão desenvolver a minha terra”
Mudaram-se para o Porto, mas continuaram bem presentes no concelho. Querem, em breve, voltar a Paredes. “Está em curso um protocolo com a autarquia para serem uma companhia profissional residente e desenvolver actividade permanente no município. O objectivo é ficarmos sediados em Paredes para desenvolvermos este trabalho de forma mais eficaz”, revelam Ângela e Fernando. Para já, têm usado como centro de ensaios a Casa da Cultura de Paredes, mas confirmam que precisam de um espaço permanente.
Têm levado longe as memórias do concelho, fazendo com que histórias que pareciam locais, ganhassem, através das artes, “dimensão universal”. “Não fazemos espectáculos para agradar aos paredenses, são temas que podem ser vistos em todo o país ou até lá fora”, garantem.
“A vereadora da Cultura tem sido motor e tem-nos desafiado a fazer mais e melhor. Queremos um diálogo com toda a comunidade artística local, desde as academias de música e dança até aos grupos de teatro e escolas”, afirmam.
A meta principal é levar cultura a todos. “Temos procurado chegar às pessoas, é um objectivo que a cultura circule pelo concelho. Já nos apresentamos em diferentes locais, nem sempre com condições ideais, mas com essa vontade de descentralizar o acesso à cultura”, explicam os fundadores da Astro Fingido.
Notam que tem havido “um crescimento dos públicos” em Paredes, mas é preciso continuar a trabalhar nesse sentido.
“Como artista acho que tenho como missão desenvolver a minha terra”, atesta Fernando Moreira.
Os esquecimentos e a saúde mental em palco
A mais recente produção, estreada em Paredes, chama-se “Brancas Memórias” e tem como tema o esquecimento e as demências. Já passou pela Casa da Cultura e por Aguiar de Sousa e Rebordosa. Agora é apresentada em Louredo este sábado, dia 12 de Março.
“Queríamos fazer um espectáculo sobre saúde mental, até pelo tempo que vivemos”, revelam. Focaram-se no drama das brancas para os actores e nas mães de actrizes que padecem de Alzheimer. Fizeram entrevistas e usaram esses relatos “pungentes” na dramaturgia do espectáculo. “A realidade é a base, mas também quisemos falar das coisas sem fazer o público chorar. É uma peça que junta o trágico ao cómico. É um espectáculo humanista pontuado por alguma leveza e emocionalmente tocante, simples e desarmante ao mesmo tempo, para tocar as pessoas. Foi um grande desafio”, garantem os responsáveis da Astro Fingido. Depois de Paredes, a peça segue para Vila Real, a 2 de Abril.
“Com este espectáculo falamos de recordações de gente concreta, habituada a utilizar a memória como ferramenta de trabalho; actrizes que se dispuseram a dar-nos o seu generoso contributo também sobre a perda de memória, situação por que passaram as suas mães. Cada vez mais as ‘doenças do esquecimento’ nos circundam. Todos conhecemos casos mais ou menos próximos e é, portanto, urgente falar-se dessa perda irreversível que afecta não só o indivíduo que a sofre, mas também todos os que a ele permanecem ligados como cuidadores. Perdem-se faculdades, perdem-se funções, perde-se identidade. O que resta afinal?”, questiona a sinopse da peça. “Quisemos criar um espectáculo que falasse do teatro e da vida. Do esquecimento passageiro, tão banal quanto assustador, mas momentâneo, que acontece no teatro (as célebres brancas que todos os actores tão bem conhecem!), mas também da função da memória na construção da vida individual e colectiva”, descrevem.
Para os próximos meses estão já preparados outros projectos e apresentações. Estão a desenvolver um chamado “Mascarada” que vai a cena na Maia, em Junho. Há ainda novos projectos para a Rota do Românico e sobre Daniel Faria, que vão ser apresentados na região. Em Agosto levam as Mulheres Móveis a um festival internacional de teatro em Setúbal, entre outros.