Chamavam-lhe “Super Herói Gui” e foi um herói até ao fim. O pequeno Guilherme completaria hoje, 23 de Março, cinco anos de vida. O pouco tempo que teve foi de luta, mas também de sorrisos e de força.
Para eternizar a sua memória, ajudando os pais a ultrapassar a dor da perda, e também para ajudar outras crianças e famílias que travam uma luta contra o cancro no Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, onde o menino foi acompanhado até falecer, em Outubro do ano passado, foi criada a Associação O Gui.
“Quisemos fazer alguma coisa para nos ajudar a nós a lidar com a partida dele e ajudar outras crianças. Sabemos as dificuldades que nós passamos, os problemas, as angústias e queremos aliviar a dor daqueles pais. Sabemos como é todo o processo, desde o início à cura ou à perda”, explica a mãe do Guilherme. “Em cada sorriso que consiga provocar noutra criança vou ver o meu filho”, assegura Marisa Mota.
“Ninguém está preparado para ouvir que o filho tem cancro”
Durante dois anos e sete meses o pequeno Guilherme procurou vencer uma leucemia linfoblástica aguda (de células tipo T).
A luta foi de toda a família e marcou a vida dos pais e também do irmão mais novo. “Ninguém está preparado para ouvir que o filho tem cancro. Muito menos para enfrentar o dia-a-dia depois disso e todas as implicações”, confessa Marisa Mota.
“Não é só o filho doente. É o deixar de trabalhar, as burocracias para tentar pedir apoios, e o deixar de ter tempo para mais nada”, explica a paredense. Marisa passava 24 horas no hospital com o filho durante os internamentos, que se sucederam. “Não temos tempo para sermos nós e mesmo quando estamos em casa a preocupação é a mesma. Passamos a viver focados na doença e naquele filho doente”, admite.
No caso do Gui os primeiros tratamentos correram bem. Entrou em manutenção em Setembro de 2017, mas recaiu em Janeiro do ano passado. Seguiram-se então tratamentos mais agressivos e a procura por um dador de medula. A comunidade de Paredes uniu-se em torno de campanhas de solidariedade e de angariação de novos dados. Em Março chegou novo ânimo: havia um dador compatível. A esperança renasceu “como uma luz ao fundo do túnel”. “Pensamos que tudo ia correr bem”, confessa a mãe.
“O meu filho não queria morrer. Lutou até ao fim. Ele estava sempre feliz. Era uma força da natureza”
Mas a uma semana do transplante, agendado para o início de Agosto, chegou a má notícia. O pequeno Guilherme já tinha células cancerígenas no sistema nervoso central. Não havia mais tratamento que pudesse salvá-lo. A família não quis aceitar e ainda tentou contactos com hospitais nos EUA, Alemanha e Barcelona, mas o prognóstico foi o mesmo.
“Quem olhava para ele via um menino que parecia saudável”, comenta Marisa. Seguiu-se a quimioterapia paliativa, para manter a qualidade de vida e para a doença não avançar tão rapidamente.
A par disso, um período em que o Gui fez tudo o que queria e nunca tinha podido fazer. “Foi à piscina, ao parque, à praia, ao zoo, andou de avião. Saltou, brincou. Ele viveu mais naquele mês que na vida toda”, descreve. “Tudo o que ele queria nós dávamos, até que depois deixou de querer e poder por estar mais cansado”, lamenta.
Depois teve uma convulsão. “A partir daí já não era o Guilherme. Já não queria sair de casa nem brincar. Percebemos que já estávamos a perdê-lo”, conta com lágrimas nos olhos.
Em meados de Setembro, pararam com os tratamentos, com a consciência do que se iria seguir. “O meu filho não queria morrer. Lutou até ao fim. Ele estava sempre feliz. Era uma força da natureza. Passou por muita coisa e conseguia estar sempre bem-disposto e a sorrir. Ele é que nos dava força”, garante Marisa Mota.
O menino acabaria por falecer, a 23 de Outubro de 2018, no hospital.
“Ele sabia que a mãe era para o Gui e o pai era para o Salvador”
A ideia de criar uma associação já existia na cabeça dos pais quando lutavam pela cura do menino. Depois da perda, ganhou força como forma de ultrapassar a dor e a saudade.
Marisa fala no plural quando fala nos internamentos. “Estivemos internados vários meses no IPO e aquelas pessoas passaram a ser a nossa família. Apesar de tudo, o Guilherme foi muito feliz no IPO e por isso não nos custa voltar”, explica.
“Agora queremos ajudar e fazer parte da equipa”, sustenta. E fazer parte da equipa é ajudar as crianças e as famílias que continuam a lutar. “Queremos dar mimo àquelas crianças, brinquedos quando os pais não podem dar, dinheiro para a conta da farmácia, olhar para os irmãos que perdem a atenção e para os próprios pais”, dá como exemplo.
Actos práticos podem passar por permitir que uma mãe que passou todo o mês com o filho internado vá fazer uma massagem, pintar ou cabelo ou as unhas; permitir que o casal vá jantar fora ou dar apoio psicológico ou até jurídico às famílias; ajudar a concretizar sonhos e, também, sensibilizar para a doação de sangue, plaquetas e medula.
É que uma doença destas afecta todos. “Eu tinha um filho pequeno que ficou sem mãe. E nós tínhamos a família que nos deu apoio. Há quem não tenha”, salienta Marisa Mota.
O Salvador, o irmão mais novo do Gui, faz três anos no próximo mês. E a mãe está agora à procura de criar laços que não conseguiu estabelecer no tempo certo. “Ele sabia que a mãe era para o Gui e o pai era para o Salvador”, confessa. “Mesmo quando estávamos em casa o Gui absorvia-me muito e o Salvador nem sempre podia lá estar porque o Gui tinha as defesas em baixo. Mesmo quando estávamos os quatro o Salvador foi injustiçado”, reconhece. “Ele também é uma vítima deste processo”, acrescenta.
“Um filho não substitui o outro, mas dá muita força para continuar e levantar da cama e tentar viver”
Mas é este menino, também tão pequeno, que está a ajudar a “colar os cacos da família”.
“Se não tivéssemos o Salvador não sei como ia ser. Um filho não substitui o outro, mas dá muita força para continuar e levantar da cama e tentar viver”, garante a paredense.
A Associação O Gui foi oficializada este sábado. Tem como primeiros sócios os pais, familiares e alguns amigos. Quem quiser associar-se terá que pagar uma quota de 12 euros anuais. O objectivo é organizar eventos e caminhadas para angariar verbas para ajudar as famílias do IPO.