O assunto relacionava-se com o Evangelho do dia, que contava a segunda pesca milagrosa. Jesus aparece aos discípulos e pergunta-lhes se têm peixe… infelizmente, não tinham peixe. «Lancem as redes à direita da barca»… Sem saberem porquê, obedecem à ordem insólita daquele desconhecido e, de repente, as redes fervilham com um amontoar nunca visto de peixes enormes. Pedro compreende: «É o Senhor!». Entretanto, Jesus prepara umas brasas na areia e, quando as barcas chegam à praia, puseram-se a comer deliciosos pãezinhos com peixe assado.
Segundo o Papa, o caminho do cristão «é esta familiaridade quotidiana com o Senhor. E, evidentemente, almoçaram juntos, com o peixe e com o pão, evidentemente falaram de muitas coisas com naturalidade».
Esta página do Evangelho não é nada trivial. Jesus não prega a virtude, não ensina verdades importantes. Em vez disso, perde o tempo a almoçar e oferece-lhes uma refeição inesquecível. Qual é o ensinamento? O Papa explica que é isso mesmo: o cristianismo é conviver, é estar. Com Nosso Senhor e uns com os outros.
«Esta familiaridade dos cristãos com o Senhor é sempre comunitária. Sim, é íntima, é pessoal, mas em comunidade. Uma familiaridade sem comunidade, uma familiaridade sem o pão, uma familiaridade sem a Igreja, sem o povo, sem os Sacramentos, é perigosa. Pode tornar-se uma familiaridade – digamos – “gnóstica”, uma familiaridade individualista, segregada do povo de Deus. A familiaridade dos apóstolos com o Senhor era sempre comunitária, era sempre à mesa, sinal da comunidade. Era sempre com o Sacramento, com o pão».
Nessa altura, o Papa contou que, quando se soube que ele ia celebrar a Páscoa numa basílica de S. Pedro vazia, um bispo lhe escreveu a protestar. «…Um bom bispo, muito bom, repreendeu-me: “a basílica de S. Pedro é tão grande, porque não colocam lá pelo menos umas trinta pessoas, para que se veja gente? Não há perigo de contágio…”. Eu pensei “O que é que lhe deu, para me dizer isto?” Naquele momento não entendi, mas como é um bispo muito bom, próximo do povo, percebi que queria dizer algo importante. Quando o encontrar, pergunto-lhe. E, depois, entendi. Ele dizia-me “cuidado para não virtualizar a Igreja, para não virtualizar os Sacramentos, para não virtualizar o Povo de Deus”. A Igreja, os Sacramentos, o Povo de Deus são concretos».
É verdade que estes tempos de confinamento têm sido ocasião para muitos seguirem as Missas celebradas pelo Papa, ou acompanharem actividades de formação religiosa. Algumas transmissões difundiram-se enormemente, até entre pessoas que não participam habitualmente na vida da Igreja. Tornaram-se autenticamente virais.
Contudo, o Papa está ansioso por voltar à normalidade. «É verdade que neste momento devemos ter familiaridade com o Senhor deste modo, mas para sairmos do “túnel”, não para ficarmos assim».
Porque «a familiaridade dos apóstolos (…) é concreta, no meio do povo. É a familiaridade com o Senhor na vida quotidiana, a familiaridade com o Senhor nos Sacramentos, no meio do Povo de Deus».
O Apóstolos fizeram um «caminho de amadurecimento na familiaridade com o Senhor», até descobrirem «que aquela familiaridade era diferente de tudo o que imaginavam».
A vida do cristão não é como ligar-se à Internet, é mais parecida com um almoço. «Que o Senhor nos ensine essa intimidade com Ele, essa familiaridade com Ele, mas na Igreja, com os Sacramentos, com o santo povo fiel de Deus».
Nalguns momentos, Jesus ressuscitado deixou os discípulos sozinhos e um pouco tristes. Porque eles precisavam dessa etapa transitória. Mas depois reapareceu! Almoçou com eles e fê-los descobrir que Deus até quer almoçar connosco.