Paulo VI publicara Encíclicas ao ritmo de mais de uma por ano, desde o início do pontificado: «Ecclesiam Suam» (1964), «Mense Maio» e «Mysterium Fidei» (1965), «Christi Matri Rosarii» (1966), «Populorum Progressio» e «Sacerdotalis Caelibatus» (1967), até à «Humanae Vitae» (25 de Julho de 1968). A partir desse momento, a contestação e a crise foram de tal ordem, que Paulo VI não voltou a publicar nenhuma outra Encíclica até ao fim do pontificado, 10 anos depois.
É normal os Papas pedirem ajuda para a redacção das Encíclicas, aproveitando livremente os contributos que lhes chegam. No final, trata-se de um documento papal e não importa quem sugeriu esta ou aquela frase, nem é costume os colaboradores darem-se a conhecer. No caso da «Humanae vitae», foi bem diferente: em vez de ajuda, Paulo VI recebeu traições.
O fogo de barragem da comunicação social assustou muitos e mostrou como a voz da Igreja era pequenina face ao poder dos seus opositores. Pior ainda, um grande número de padres e de bispos não entenderam o que estava em causa. Aparentemente, a biologia, a bioquímica prometiam à humanidade novos caminhos de felicidade, mais cómodos e seguros. Quem os poderia rejeitar?
Paulo VI não se deixou enganar: «a sociedade tecnológica consegue multiplicar as ocasiões de prazer, mas tem grande dificuldade em gerar alegria» («Gaudete in Domino», 1975). A indústria química fabricava prazer, mas estava a vendê-lo com publicidade enganosa. «Porque a alegria tem outra origem. É espiritual. O dinheiro, o conforto, a higiene, a segurança material não faltam com frequência; contudo o tédio, a aflição, a tristeza formam infelizmente parte da vida de muitos. Atinge-se às vezes a angústia e o desespero, que nem a aparente despreocupação nem o frenesim do gozo presente ou os paraísos artificiais conseguem evitar» (ibid.).
Paulo VI não tinha ilusões, como escreveu na própria introdução: «É de prever que estes ensinamentos não sejam acolhidos facilmente por todos». E comenta que sempre foi assim na história da Igreja, que é, «à semelhança do seu divino Fundador, “sinal de contradição”», como dizia o profeta Simeão no Evangelho. Só que, desta vez, Paulo VI sabia que ia ser muito mais grave que habitualmente.
A razão para, apesar disso, afrontar a opinião dominante num ponto tão sensível foi simultaneamente clarividência e generosidade. Como ele próprio escreveu na Encíclica, «ao defender a moral conjugal na sua integridade, a Igreja sabe que está a contribuir para a instauração de uma civilização verdadeiramente humana; ela compromete o homem para que este não abdique da própria responsabilidade, para se submeter aos meios da técnica; mais, ela defende com isso a dignidade dos cônjuges».
Aos poucos, a Igreja e sociedade começaram a compreender o mal profundo que os métodos anticonceptivos causam ao amor. A diferença, que alguns tardaram em captar, entre os métodos anticonceptivos e uma vida de casal que tem em conta os períodos inférteis não está em opor métodos «artificiais» e métodos «naturais». Paulo VI era declaradamente a favor dos benefícios da técnica e dos progressos dos medicamentos e dos aparelhos artificiais. O oposto de «natural» é «antinatural»; em princípio, o «artificial» corresponde à natureza racional do homem; o perigo está no que é «antinatural».
Paulo VI percebeu que a sua missão de Papa o obrigava a avisar o mundo da diferença entre os métodos anticonceptivos, que são antinaturais por contradizerem o amor, e o sentido de oportunidade, que faz parte do amor. Muitos, só passados 50 anos começaram a perceber a diferença.
Quase isolado, Paulo VI teve a generosidade de cumprir, mesmo com grande sacrifício, o seu próprio lema de Papa: «In nomine Domini» – em nome do Senhor. E, contra os ventos da época, foi fiel a Deus e aos homens.
Foi a generosidade de Paulo VI (e o milagre realizado por sua intercessão) que levou Francisco a decidir canonizá-lo no próximo dia 14 de Outubro de 2018, em Roma.